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Vaivém de Bolsonaro mata muita gente

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Por José Nêumanne*

Quando foi noticiado o primeiro caso de contágio do novo coronavírus no Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro, preferiu debochar das fundadas preocupações de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a respeito da possibilidade de a covid-19 levar o sistema público do País ao colapso. Em consonância com seu ícone em política, Donald Trump, usou até o mesmo diminutivo que o presidente dos Estados Unidos empregou: “resfriadozinho”. Noticiário para ele e seus fiéis devotos nas redes sociais atribuíram os alertas médicos a histeria. Associando-a à disputa eleitoral para Presidência da República em 2022, na qual até agora tem aparecido como favorito, por falta de adversário à altura.

No domingo 22 de março, contudo, Trump deu ouvidos a Antony Faucci, celebrado infectologista norte-americano, que levou à Casa Branca o resultado de uma pesquisa da conceituadíssima instituição de ensino superior do país, a Johns Hopkins University. A previsão era aterradora: se não adotasse imediatamente o isolamento social dos cidadãos, morreria 1 milhão de americanos. Se os isolasse, o total cairia para 200 mil ou até 100 mil. Mesmo sendo enorme o contingente, a diferença levou o chefe do governo a mudar radicalmente de posição e imediatamente aderiu às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), da ONU. Então, começou a apelar para o cidadão ficar em casa, embora tenha encontrado forte reação de um adversário político poderoso, o governador do Estado de Nova York, democrata de esquerda, que o chamou de antiamericano por isso. No entanto, o republicano de direita tem feito o possível para não ser responsabilizado em ano eleitoral pelo milhão de cadáveres.

Não se sabe se pela condição de monoglota, Bolsonaro, que o visitou na Flórida pouco antes dessa mudança de posição, fez-lhe ouvidos de mercador. A descoberta de 18 casos de contágio em sua comitiva e a necessidade de se submeter a dois testes, que, segundo ele, deram negativo, não o demoveram da defesa da versão pessoal das medidas de eugenia de Adolf Hitler, pregando um tal de isolamento vertical, que manteria apenas os vulneráveis em casa, à espera do contágio inexorável por algum jovem assintomático da família. Pode não ser mera coincidência a lorota bolsonarista coincidir com a instalação do chefe do “gabinete do ódio”, o filho Carlos, no Palácio do Planalto, embora não passe de mero vereador no Rio. Certo é que a solução miraculosa nunca foi testada e mesmo os adeptos da teoria da histeria coletiva seguiram Trump no recuo. O esquerdista Manuel López Obrador, do México, adepto do beijo como método de se aproximar dos eleitores, foi o primeiro. Hoje, se nenhum tiver ainda recuado, as duas figuras mais notórias da eugenia de Jair Messias são o bolivariano Nicolás Maduro, da Venezuela, e o guerrilheiro comunista Daniel Ortega, da Nicarágua.

O leitor desavisado poderá perguntar-se por que de repente os bolsonaristas, que sempre acusam quaisquer adversários de “esquerdopatas”, defendam com tanto fanatismo teoria cara a essas figuras e aos maiores responsáveis pela tragédia que enluta a Itália, todos de esquerda. O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, apoiou uma campanha sob o lema “Milano no ferma” (Milão não fecha). O presidente brasileiro tentou imitá-lo com a campanha “O Brasil não pode parar”, mas as mensagens sumiram das redes sociais em que foram postadas. Outro prefeito, o de Florença, Dario Nardella, lançou uma cruzada contra o preconceito, incentivando os toscanos sob o lema “Abrace um chinês”. O governador do Lácio. Nicola Zingaretti, participou com o citado anteriormente da divulgação de fake news segundo os quais o novo coronavírus não seria transmissível entre humanos. Os três são do Partido Democrático, denominação equivocada de um grupo de legendinhas de esquerda.

O primeiro brasileiro a ser associado ao vírus maldito contraiu-o em Milão, cujo prefeito aconselhou por telefone o governador paulista, João Doria, a insistir no isolamento social como forma de evitar que a velocidade do contágio produzisse vítimas suficientes para provocar o colapso do sistema público de saúde do Estado mais rico do Brasil, com a possibilidade de repetir a cena de caminhões do Exército transportando cadáveres em Bergamo, como Milão situada na zona mais crítica, o norte da Itália.

Nada disso convenceu Bolsonaro. Benjamin Netanyahu uniu-se aos adversários em Israel e aos vizinhos palestinos no combate à covid-19 pelo isolamento social. Narendra Modi, visitado pelo presidente brasileiro em viagem de volta do Oriente ao Brasil, isolou 1 bilhão e 300 milhões de indianos. Mas o capitão reformado preferiu envergonhar os brasileiros ao atribuir ao diretor-presidente da OMS, Tedros Adhamou, apoio à sua alucinação. E este o desmentiu. Após anunciar sua disposição de se unir a prefeitos e vereadores, que critica duramente, num hipócrita pronunciamento em rede de televisão, recebido com panelaços, compartilhou em 1.º de abril, dia da mentira, mensagem de um anônimo com cenas do Ceasa de Contagem, na Grande Belo Horizonte (MG). Desmentido pela Secretaria de Agricultura de Minas Gerais e pela própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, Bolsonaro apelou para a histeria do desabastecimento com uma fake news, que antes atribuíra a quem de fato entrou na guerra contra o vírus chinês na hora certa e fazendo a coisa certa. Essa teimosia insana já fez muitas vítimas, mas, infelizmente, a proximidade de Carlos prenuncia uma hecatombe próxima à que evitou que seu ídolo Trump caísse na mesma armadilha.

*Jornalista, poeta e escritor

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