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Um país sem uma base sólida de produção de alimentos é um país vulnerável

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Foto: reprodução

Por Geraldo Eugênio / Jornal do Sertão*

Não é raro nos deparar com informações sobre fome e desabastecimento. Incluindo países que pelo desempenho de sua agricultura não seria fácil justificar. Há situações em que a fome se dá pela incapacidade do país ou região de produzir alimentos suficientes para sua população, quando enchentes ou secas perturbam a expectativa de safras; por questões técnicas, incluindo a disponibilidade de insumos, deficiente assistência técnica, ausência de pesquisa, déficit em logística, não disponibilidade de internet, políticas de crédito, seguro agrícola e apoio ao mercado inacessíveis; ou de natureza política tais como tensões fundiárias; guerras, ameaças terroristas, e outras tantas causas.

Este é um conjunto de fatores que não se pode aplicar ao Brasil. Ainda há muito o que ser feito, mas não se pode negar os avanços obtidos nos últimos vinte anos em todas as áreas citadas, tornando um dos celeiros mundiais na produção de alimentos. Uma conquista que poucos países conseguem mostrar muito embora em todos os continentes se identifiquem casos de sucesso no aumento e disponibilidade de alimentos perecíveis ou não. Não há como não se reconhecer o papel fundamental dos nossos agricultores e agricultoras. Sem esses não haveria como se proceder com o bom uso das políticas públicas de apoio à produção, comercialização e infraestrutura do campo ou a aplicação dos conhecimentos gerados ao longo de décadas de trabalho contínuo.

Por outro lado, há também que se reconhecer os ganhos decorrentes da geração e difusão de novas tecnologias, da inserção da internet no meio rural, da presença de jovens capazes e talentosos e da elevação do padrão de renda da sociedade mundial como um todo, incluindo o Brasil, apesar da assimetria de renda entre os mais humildes e aqueles que estão no topo da pirâmide.

Safras consistentes, mesmo quando o país esteve em crise: pandemia e secas

Quanto ao papel assumido pela agricultura, não há razão para dúvida. É dela que, direta ou indiretamente, são gerados a maioria dos empregos. Além disso, ela é o principal componente da balança comercial e, por décadas a fio, demonstra, ano após ano, o potencial produtivo e comercial da atividade. Impressionam os valores de produção apresentados pela maioria das culturas nos últimos anos. Apesar de situações de risco, a tendência de crescimento se mantém estável, estimando-se que a safra de 2024/25 exceda 320 milhões de toneladas de grãos.O mesmo podendo ser visto em relação ao setor sucroenergético, de celulose, de bebidas, a exemplo do café, de frutas, seja para o mercado interno ou externo e para as hortaliças. Não há sinal de risco à vista quanto ao crescimento do setor em particular quando a geopolítica mundial, tomando como base o isolacionismo americano, favorece as relações comerciais entre o Brasil e os países asiáticos. Do ponto de vista interno com uma economia estável e com a manutenção de programas sociais que se traduzem em maior consumo de alimentos e uma melhor valorização da mão de obra, a demanda interna por carnes, lácteos e pescado se expandirá, o que demandará uma agricultura melhor tecnificada e moderna.

Visões equivocadas

Quanto a relação agro-governo-sociedade as relações não são tão amistosas quanto se pode esperar e aí, há de se considerar erros crassos na  condução de instituições representativas de produtores que têm insistido em tomadas de decisões surreais insistindo-se em teses radicais, negacionistas  e catastrofistas.

Quanto ao radicalismo político, é de se esperar que o campo seja mais conservador. No caso brasileiro, optou-se por um extremismo de ultradireita que dificulta o diálogo com segmentos políticos que não representem o espectro ultraconservador. Essa foi uma tomada de posição equivocada, até porque os governos progressistas são aqueles que mais apoio têm dado ao setor.

A relação de segmentos expressivos do setor com políticos radicais, o financiamento dos acampamentos nas portas dos quartéis e, principalmente, a tentativa de golpe desqualificam as lideranças atuais para um diálogo produtivo com o governo. Essa é a verdade: elas vão continuar gritando para seus apoiadores e lutando para salvar os postos que ocupam nessas instituições.

No que se refere ao negacionismo, a relação do setor com atores minoritários que, apesar das evidências, insistem em não considerar as mudanças climáticas em curso e o aquecimento global, parece de uma infantilidade desconcertante. Recentemente, um dos pseudo-cientistas ligados ao setor veio a público com a diatribe de que a destruição da floresta Amazônica não impactaria em nada o clima e o ciclo hidrológico do planeta. Toda essa soma de fake news, respaldada por eventos financiados pelo agro e pela mídia, revela um misto de ignorância e má-fé..

Já em relação ao catastrofismo, insiste-se em vender uma ideia não aferível de insegurança jurídica, de ocupações desenfreadas, da ameaça estrangeira aos produtos nacionais e do pouco caso com a adimplência do crédito tomado. Quanto à questão jurídica, poucas são as nações que contam com legislações tão robustas quanto às leis que regem a jurisprudência agrária brasileira. Sempre se tenta comparar o paraíso jurídico de nações estrangeiras com as amarras nacionais, mas poucos chamam a atenção para o fato de que, em nenhum país do mundo, práticas de grilagem, ocupação de parques e florestas, invasão de terras indígenas ou áreas de reserva legal são admissíveis.

Em relação à ameaça de governos e instituições estrangeiras, é importante destacar o respeito que o país conquistou no cenário internacional como um dos guardiões da paz mundial, pelo fato de haver se tornado um dos principais supridores de alimentos e matérias-primas para milhões de consumidores em todo o mundo.

Há como se conciliar uma produção familiar e uma agricultura comercial

Ao final, é importante que os extremos parem de demonizar o papel do agricultor que não faça parte de seu grupo, como se todos os grandes produtores fossem destruidores do meio ambiente – o que não é verdade – ou que o pequeno e médio produtor cumpram um papel quase divino de proteção ao solo, à água e sejam os principais atores na cadeia de abastecimento de alimentos.

Há a necessidade de reconhecer a importância de todos os que fazem a agricultura e a pecuária do país, bem como da urgência de investimentos em pesquisa, tecnologia, inovação, infraestrutura hídrica, logística e comunicação. A humanidade mergulhou em um mundo em que a presença da inteligência artificial deixou de ser ficção, e o país deve preocupar-se com o domínio das novas tecnologias e com sua aplicação no setor primário, sob o risco de sermos deixados para trás. Isto é um fato em todas as regiões, de Norte a Sul.

*Professor Titular da UFRPE-UAST

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