Por Estadão
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva engavetou por tempo indeterminado ao menos 49 pedidos de informação apresentados por cidadãos por considerar as demandas sensíveis demais para receber respostas no prazo padrão de dois meses. Os processos estão parados na Controladoria-Geral da União (CGU).
Constam na lista casos que podem obrigar o Exército a liberar códigos de rastreamento de munições compradas pelas Polícias e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) a informar se aplicou sanções a clientes que violam normas socioambientais da instituição. Procurada, a pasta afirmou que os processos estão sem respostas para a realização de estudos e por “estender a fronteira da transparência”.
Um despacho da CGU tem o poder de contrariar decisões de outros ministérios. Quando um cidadão demanda respostas de órgãos públicos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e não é respondido como gostaria, ele pode recorrer à Controladoria, a quem caberá analisar o caso e decidir se o pedido merece ser atendido ou não.
A pasta, no entanto, deixou dezenas desses processos sem um parecer. Dez desses casos estão travados há mais de um ano. A CGU informou aos solicitantes que precisaria de mais tempo para analisar o pedido, porém nunca mais os atualizou sobre o status atual do procedimento.
Ainda na gestão do presidente Michel Temer, a CGU passou a adotar prazo de 60 dias para se posicionar sobre recursos de cidadãos que têm seus pedidos negados por ministérios e órgãos do governo federal. A pasta se ampara num decreto que determina que todos os ministérios e órgãos federais “apresentarão resposta conclusiva às manifestações recebidas no prazo de trinta dias, contado da data de seu recebimento, prorrogável por igual período mediante justificativa expressa, e notificarão o usuário de serviço público sobre a decisão administrativa”. Contudo, a Controladoria tem descumprido esse regramento sem apresentar as razões para tal.
A LAI não admite a adoção de critérios políticos para a concessão de informações. A lei, que entrou em vigor em maio de 2012, criou regras para obrigar o Poder Público a responder os pedidos de cidadãos franqueando acesso aos dados e documento solicitados.
A legislação veda a realização de filtros nos dados solicitados. Ou seja, não existe na LAI dispositivo que autorize o governo a retardar a resposta apenas por considerar um pedido “sensível”. O artigo 32 define como “condutas ilícitas” do agente público se recusar a fornecer informação requerida, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa.
Um dos pedidos sem resposta foi apresentado pelo Instituto Sou da Paz à CGU em maio de 2023. A ONG que monitora o tema de segurança pública solicitou ao Exército uma lista com todos os códigos de rastreabilidade de munições no período de janeiro de 2004 a fevereiro de 2023. Esse tipo de material é marcado pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) com os dados de rastreio antes de saírem da fábrica. A demanda também exigia o compartilhamento dos nomes dos compradores para identificar, por exemplo, quais órgãos de Polícia detêm cada tipo de munição em circulação no País.
O gerente do Sou da Paz e responsável pelo pedido de informação, Bruno Langeani, explica que a obtenção dos dados é importante para que a sociedade civil possa fazer o controle dos destinos dados às munições.
O Exército respondeu à demanda inicial do Instituto apenas com os códigos dos lotes de munição adquiridos pela própria corporação em vez de compartilhar os dados de todas as compras realizadas no País. A Força Terrestre é responsável pelo controle de munições no País, portanto detém as informações solicitadas. Os militares se recusaram a atender a demanda, o que fez o caso parar na CGU, onde permanece até hoje.
“Na prática, a gente está sem nenhuma informação desde maio do ano passado. Esse é o período em que a gente não recebeu nenhuma informação nova desse julgamento”, explicou Langeani. “Ter essa informação (sobre munições) ajuda a evitar desvios de recursos públicos. Cada vez que essa munição é desviada, a gente está falando de desvio de recursos do Estado que foram destinados para a promoção da segurança pública, mas que muitas vezes são usados para gerar crimes e insegurança”, afirmou.
A CGU informou ao Instituto Sou da Paz, em maio do ano passado, mês em que o recurso foi apresentado, que precisaria estender o prazo padrão de dois meses para resolver o caso. Porém, passados onze meses, os autores do pedido de informação seguem sem respostas. Langeani avalia que o pedido feito pela ONG não demanda tanto tempo de análise e que a falta de resolução “tem mais a ver com o destinatário do pedido, que é o Exército brasileiro”.
“Especificamente sobre esses pedidos relacionados à Defesa, (a demora) pode ter a ver com a postura do governo como um todo frente aos militares de não ter um posicionamento civil, especialmente do ministro da Defesa e de outras lideranças, que bata o pé para que a transparência seja válida para qualquer Ministério”, disse.
A CGU, por sua vez, argumentou em nota que “os julgamentos (dos pedidos de informação) estão suspensos para a realização de estudos que englobam a melhor literatura especializada, precedentes e jurisprudência”.
O Ministério argumenta que os processos sem respostas “são casos sem jurisprudência definida ou com divergência entre o posicionamento da CGU e entendimentos consolidados, contrários ao acesso à informação, baseados em interpretações legais”. Ou seja, são procedimentos relacionados a temas sensíveis que dividem a CGU e o órgão detentor pelos dados.