O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta segunda-feira (2) para confirmar a decisão do ministro Flávio Dino que libera a retomada do pagamento de emendas parlamentares, mas impõe ressalvas e faz críticas ao modelo adotado pelo Congresso Nacional.
A posição de Dino foi referendada por outros cinco ministros em menos de duas horas de julgamento no plenário virtual, com os votos de Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Em seguida, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia também votaram no mesmo sentido. O julgamento iniciado às 18h segue até as 23h59 desta terça-feira (3).
A decisão é mais um capítulo da queda de braço entre Congresso, governo Lula (PT) e Supremo desde que o ministro suspendeu o pagamento das emendas parlamentares, em 1º de agosto, e cobrou mais transparência no gasto de uma fatia bilionária do Orçamento.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso, porém, é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
O Orçamento deste ano prevê mais de R$ 49 bilhões em emendas parlamentares. Assessores calculam que cerca de R$ 17,5 bilhões tenham sido bloqueados em agosto pela decisão de Dino, provocando a irritação de parlamentares.
Dino definiu em sua decisão, acompanhada pela maioria, regras para a retomada de cada uma das emendas — individuais, “Pix”, de bancada estadual e de comissão.
As emendas de relator dos anos anteriores e as de comissão, por exemplo, só devem ser pagas pelo Executivo se houver a indicação do nome do padrinho. Ele ainda condicionou à apresentação de um plano de trabalho o pagamento das emendas “Pix” —tipo de recurso à disposição de cada um dos congressistas que caía direto no caixa das prefeituras sem qualquer indicação de como o dinheiro deveria ser usado.
Dino fez duras críticas ao modelo de emendas parlamentares. “Jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público em tão poucos anos”, diz a decisão.
O pagamento dos recursos controlados pelos parlamentares havia sido suspenso por Dino em agosto em resposta a uma ação movida pelo PSOL, até que houvesse “prévia e total rastreabilidade” dos recursos. Na ocasião, o bloqueio foi confirmado pelo plenário do Supremo por unanimidade.
Para tentar destravar o dinheiro, o Congresso aprovou projeto de lei —sancionado sem vetos por Lula— que muda parte das regras de distribuição a partir do ano que vem. Segundo a Consultoria de Orçamentos do Senado, porém, a lei avança pouco em relação às exigências do tribunal.
Um líder do centrão afirmou, sob a condição de anonimato, que Dino burocratizou demais o tema e criou empecilhos para o pagamento de emendas bloqueadas. Ele esperava um meio-termo do plenário do Supremo para que regras mais duras sejam cobradas apenas daqui para frente.
O parlamentar citou a cobrança de um plano de trabalho em até 60 dias para o pagamento das emendas “Pix” já indicadas.
Segundo ele, o sentimento do Congresso é de que a nova lei aprovada pelo Congresso e sancionada já resolve o problema de falta de rastreabilidade —essa legislação, no entanto, não versa sobre as emendas já destinadas. Ao colocar novas exigências, continua, o ministro mantém a impressão de que está jogando de forma combinada com o governo Lula.
O bloqueio das emendas abriu considerável mal-estar com o Congresso e motivou a aprovação de um pacote de medidas na Câmara dos Deputados que limita o poder de ministros do STF. Na semana passada, parlamentares também condicionaram a aprovação do pacote de gastos à liberação do dinheiro.
Dino afirmou que relatórios feitos pela CGU (Controladoria-Geral da União) deixam claro que os requisitos constitucionais de transparência e rastreabilidade estão sendo descumpridos, em “engrenagem flagrantemente inconstitucional”, com bilhões de reais “se multiplicando em escala geométrica”.
“É precoce afirmar —e nem se constitui objeto específico destas ações (processos estruturais)— que houve ou há crimes em razão da esdrúxula situação constatada. Mas é de clareza solar que jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos”, diz a decisão do ministro.
Dino também escreve que, diante deste cenário, não é excessivo apontar que há quatro modelos no mundo: o presidencialismo, o parlamentarismo, o semipresidencialismo e o do “Brasil, com um sistema de governo absolutamente singular no concerto das nações”.
O ministro decidiu que o monitoramento das emendas, objeto da ação que tramita sob sua relatoria, deve se estender ao exercício financeiro de 2025, “com a realização periódica de audiências de contextualização e conciliação, bem como novas auditorias, quando necessárias”.
O magistrado fez duras observações sobre a resposta do Congresso em relação às emendas de comissão —que foram turbinadas com o fim das emendas de relator, em 2022. Na semana passada, Câmara e Senado reafirmaram que não seria possível identificar os padrinhos das indicações porque as decisões foram “colegiadas”.