Os ataques do 8 de janeiro de 2023 completam dois anos nesta quarta-feira (8) em um clima de consolidação, entre a elite do poder estatal, da tese de que os participantes das manifestações daquele dia merecem tratamento análogo ao de criminosos hediondos e, em alguns casos, pior que o dispensado a narcotraficantes.
No último dia 23 de dezembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou isso claro no tradicional “indulto natalino”, instrumento legal que extingue a pena de condenados com base em critérios definidos pelo chefe do Executivo. No decreto em que concedeu o benefício em 2024, Lula impediu o perdão a presos por crimes contra o Estado Democrático de Direito, tipo penal em que se enquadram os condenados pelo 8/1.
Com isso, nenhum preso do 8 de janeiro pôde ser beneficiado pelo indulto, nem mesmo aqueles que se encaixavam em outras categorias contempladas pelo decreto. Por exemplo, ganharam direito ao indulto mães e avós de crianças ou netos com deficiência ou com até doze anos de idade, mas isso não incluiu mulheres que tenham participado do 8/1.
A cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, de 38 anos, que escreveu “perdeu, Mané” na estátua da Justiça, mas nem chegou a invadir prédio público durante os atos do 8/1, tem dois filhos menores de 12 anos. Por causa da exceção estabelecida por Lula, ela não pôde ser contemplada pelo indulto natalino. Foi equiparada, com isso, a praticantes de crimes hediondos, tortura, terrorismo, racismo, lavagem de dinheiro e violência contra mulher ou criança – categorias também excluídas do indulto.
A decisão de Lula é só uma das diversas formas como os presos do 8/1 têm sido equiparados a autores de crimes hediondos pela elite estatal. No Judiciário, os condenados pelos atos de dois anos atrás têm recebido, muitas vezes, um tratamento até mesmo pior que o dispensado a grandes criminosos.
“Autores de crimes gravíssimos, flagrados em plena prática delitiva, têm desfrutado das prerrogativas recusadas aos presos políticos”, comenta a consultora jurídica Katia Magalhães, lembrando das “inúmeras situações de mulheres atuantes no tráfico de entorpecentes, mas colocadas em liberdade devido à necessidade de prestar cuidados a filhos menores”, após decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
A jurista também recorda a concessão de um habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em novembro de 2024 a um caminhoneiro que levava 823 kg de cocaína em seu caminhão.
Magalhães explica que, de acordo com a Lei dos Crimes Hediondos, de 1990, “condutas de enorme potencial lesivo, tais como os próprios delitos hediondos e o narcotráfico são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança”.
Contudo, lembra ela, tribunais têm colocado narcotraficantes em liberdade “sob as mais diversas alegações falaciosas”, como as frequentes manobras jurídicas usadas para anular a validade de buscas policiais ou a recente decisão do STF que descriminalizou o porte de maconha. “Já para os envolvidos no 8/1, tanto a PGR quanto o STF afastaram qualquer perspectiva nesse sentido”, critica a jurista.
No discurso, membros da elite do Estado brasileiro deixam clara sua visão de que os participantes do 8/1 cometeram crimes de uma classe mais grave e merecem tratamento especialmente rigoroso.
O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, disse que é “incogitável” falar sobre anistia. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, já afirmou: “O país tem dificuldade de punir. A gente não pune na medida certa, e as pessoas não se corrigem. E se a gente não punir, na próxima eleição quem vai perder vai achar que pode fazer o mesmo”.
O advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, afirmou que é inconstitucional qualquer projeto de lei que proponha a concessão de anistia aos presos do 8 de janeiro. “Elas não foram levar a família para passear. Foram tentar dar um golpe de Estado”, disse.
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, já mostrou uma visão parecida: “Não podemos tratar com leniência e fraqueza um processo que buscava degradar nossa democracia. Foi grave e aviltante”, opinou em outubro. “O 8 de Janeiro não foi um passeio no parque. Foi uma busca de fragilizar nossa democracia”, afirmou.
O ministro do STF Alexandre de Moraes também já fez declarações semelhantes sobre os participantes do atentado do 8/1, mas foi mais longe: disse que é crime comemorar o 8 de janeiro e ameaçou quem o fizer.
“Qualquer pessoa que pretenda comemorar o dia 8 está praticando crime, porque está comemorando a tentativa de golpe, está instigando uma nova tentativa de golpe, então seria muito importante que essas pessoas tenham muito cuidado com o que vão fazer, porque depois vão acusar o Ministério Público, o Poder Judiciário de serem rigorosos demais. Não se comemora tentativa de golpe, não se comemora tentativa de derrubar os poderes constituídos, isso é crime também”, afirmou Moraes em setembro do ano passado.
Além de serem tratados com mais rigor que narcotraficantes e outros autores de crimes graves, os presos do 8 de janeiro foram alvos, ao longo desses dois anos, de julgamentos que podem ser considerados de exceção, com atos jurídicos sem previsão legal, afirmam juristas. (Por Gazeta do Povo)