Recessão e gestores que se complicaram na hora de gerir o dinheiro público levaram as finanças de diversas cidades à beira da calamidade
JC Online / Foto: Leo Mota/ JC Imagem
Imagine uma prefeitura que arrecada R$ 26 mil de IPTU por ano e desembolsou, só em julho último, R$ 1,7 milhão para pagar a folha de pessoal. Esse município chama-se Jaqueira, na Mata Sul de Pernambuco, e tem uma população de 11,6 mil pessoas e 731 servidores municipais, o que dá uma média de um funcionários para cada 15 habitantes. No município vizinho, em Maraial, a folha de pagamento mensal gira em torno de R$ 1,7 milhão bancando o salário de 720 funcionários, o que significa que também há um servidor para cada 15 cidadãos. No Agreste, a cidade de Brejo da Madre de Deus desembolsa mensalmente cerca de R$ 4 milhões para pagar 1.480 servidores, sendo um funcionário para cada 34 moradores. Essas cidades não são exceções. Os pequenos municípios de Pernambuco têm centenas de funcionários, folhas de pagamento milionárias e sobrevivem, basicamente, de recursos repassados pela União e arrecadados – em forma de impostos – por todos os brasileiros. A crise econômica fez esses recursos diminuírem e os municípios, após atrasos no pagamento de salários, precisaram demitir para se adequar à nova realidade e para obedecer a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que estabelece limites com o gasto de pessoal.
Cerca de 3 mil servidores já foram dispensados pelas prefeituras em 24 cidades pernambucanas neste ano. Em Jaqueira, mais 50 pessoas ficarão desempregadas até o fim deste mês; 50 já foram dispensadas. É o caso de Maria de Lurdes da Silva, desempregada há três meses. Com o fundamental incompleto, a trabalhadora fazia a limpeza do mercado de carnes do município e é mãe de três filhos desempregados. “Estou sobrevivendo com os R$ 560 (por mês) que sobram da aposentadoria do meu marido, depois dos descontos dos empréstimos, e com o fato (miúdos de boi) que corto e revendo na feira, o que dá menos de R$ 100 por semana”, resume. Somente o aluguel de sua casa consome R$ 300 mensais. A filha e a neta também moram com ela.
O secretário de governo de Jaqueira, Arnaldo Liberato, explica que as demissões ocorreram porque o governo federal diminuiu os repasses e Jaqueira não tem receita própria. A cidade deixou de ser distrito de Maraial em 1996. Ele cita algumas iniciativas que o município adotou (este mês e no próximo): um corte de 20% dos salários dos cargos comissionados e gratificações, suspensão no pagamento das diárias, entre outras. As medidas geraram economia mensal de R$ 60 mil na folha de pagamento. No entanto, a prefeitura está construindo uma sede nova. “A nova sede foi construída com dinheiro do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento Municipal (FEM), custou cerca de R$ 600 mil e está em fase de finalização”, completa. E argumenta: “Na real necessidade precisamos de mais pessoal. No próximo ano, vai ter mais fome porque a prefeitura não terá dinheiro para contratar. As usinas e engenhos não empregam mais a mesma quantidade de pessoas por aqui”.
Baixa escolaridade
Nas três cidades visitadas pelo JC, os dispensados são justamente os que têm baixa escolaridade, cargos mais simples, pois não fazem parte do quadro efetivo (os concursados) dos municípios. A Prefeitura de Brejo da Madre de Deus dispensou 300 pessoas desde setembro último e pretende chegar a um total de 500 desligados até o próximo dia 15. Cerca de 90% das receitas de Brejo vêm de fora. Os impostos cobrados pela prefeitura, como o ISS e o IPTU somam cerca de 10% de tudo que o município recebe, segundo a gestão municipal. “Estamos reduzindo as despesas com pessoal por causa da LRF”, explica o prefeito de Brejo da Madre de Deus, Hilário Paulo da Silva (PSD), alegando que a sua folha é alta, por causa dos salários dos professores – espalhados em 54 escolas – e os médicos. “Pagamos 19% acima do piso para os professores”, conta, alegando que os repasses do FPM vieram menores em julho, agosto, setembro e outubro últimos.
Ainda de acordo com o prefeito, o repasse do ICMS – tributo recolhido pelo Estado – era uma média de R$ 100 mil por semana até a crise apertar. Este ano, houve repasse semanal no valor de R$ 18 mil para o município de Brejo, que comprometeu 69,96% da receita do município com o pagamento de pessoal.
A auxiliar de serviços gerais Erica de Freitas, 23 anos, foi demitida no início deste mês. “Tá difícil arranjar outro emprego, porque até o serviço de doméstica desapareceu”. Ela ganhava um salário mínimo fazendo a limpeza da rua e é mãe de uma criança. “A situação só não está pior, porque a casa é própria. O meu marido não tem trabalho fixo, mas faz acabamento de roupa para o pessoal de Santa Cruz do Capibaribe”, conta.
O aperto familiar impacta no comércio das cidades. “A partir de maio, começou a complicar. A prefeitura é o maior empregador e começou a atrasar os salários. As vendas caíram 30%”, diz um dos donos do Supermercado Popular, André Luís Rodrigues.