O agravamento do cenário de violência nas rodovias que cruzam o Rio de Janeiro não é novidade: casos de roubos de cargas são contados aos milhares a cada ano. Apesar disso, nos últimos três anos – que coincidem com as restrições às operações policiais no estado impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – o modo de operação dos criminosos tem mudado, o que vem ocasionando prejuízos diversos à segurança pública e à economia fluminense.
Quadrilhas especializadas nesse tipo de roubo, ligadas ao narcotráfico, têm aproveitado das restrições ao ingresso da polícia nas comunidades para assaltar caminhões e levar os veículos para dentro das favelas a fim de descarregar as mercadorias. Mesmo com o flagrante, as forças de segurança do estado enfrentam indefinições diversas para adentrarem os locais, com receio de retaliações judiciais.
Se a mercadoria interessa às quadrilhas, é cobrado um valor de “resgate” para devolver os caminhões. Se não interessa, uma quantia mais expressiva é cobrada para devolver os veículos junto com o carregamento. Já os motoristas passam por profundo estresse psicológico ao serem levados para dentro das comunidades como reféns pelas quadrilhas.
Para fazer frente ao avanço dos crimes, nas últimas semanas três grandes entidades representativas da indústria, do comércio e do transporte de cargas do Rio de Janeiro protocolaram pedidos ao STF para ingressarem como “amigos da Corte” no processo que trata da restrição às operações policiais. Nas petições, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio de Janeiro (Sindicarga) e a Associação de Atacadistas e Distribuidores do Estado do Rio de Janeiro (Aderj) afirmam que as restrições à atividade policial impostas pelos ministros são diretamente responsáveis pelo impacto nos roubos de cargas nas rodovias.
Nos próximos dias, ao menos duas outras instituições ligadas a setores impactados pelas medidas também devem solicitar ingresso com o objetivo de levar ao Tribunal dados para orientar as decisões. Atualmente a maior parte das entidades que integram a ação é composta por ONGs e partidos políticos como PT e PSB, que apoiam o esvaziamento da presença policial nas comunidades fluminenses, dominadas pelo crime organizado.
Com brechas criadas pelo Judiciário, facções criaram estrutura “profissional” de logística dentro das favelas
Conforme explica Alexandre Ayres, secretário-geral e diretor jurídico do Sindicarga, apesar de os registros de roubos de cargas passarem por redução nos últimos anos, a profissionalização das quadrilhas tem gerado uma migração de ataques mais numerosos a pequenos veículos transportadores para ofensivas de grandes portes a caminhões com toneladas em cargas. “Isso passou a ser mais interessante até mesmo do que o tráfico de drogas. Roubam uma carreta, vendem esse material por 50% a menos e em poucas horas têm centenas de milhares de reais no bolso”, diz Ayres.
A presença de viaturas policiais nas rodovias aumentou nos últimos. Apesar disso, as quadrilhas encontram brechas para os ataques, que contam com batedores em motocicletas, carros de apoio com criminosos armados com fuzis e uso de bloqueadores de sinal para retirar os caminhões do controle eletrônico de frota.
“Hoje já existem centros de distribuição dentro das favelas. São áreas de controle logístico com empilhadeiras, caminhões munck, acondicionamento, prateleiras, galpões, funcionários. Os criminosos sabem que não podem ser incomodados nesses locais, aí roubam um caminhão com toneladas de polipropileno, por exemplo, organizam nesse lugar e vão vendendo aos poucos”, diz o porta-voz do Sindicarga.
Como efeito das mudanças no modus operandi dos criminosos, apesar do menor número de registros de roubos o Sindicarga calcula que os prejuízos econômicos com a perda das cargas cheguem a ser até 20 vezes maiores do que em anos anteriores. “Ainda que as delegacias descubram o roubo, não conseguem entrar nas favelas com rapidez, porque é proibido fazer operação sem avisar previamente. Muitas vezes quando entram conseguem recuperar o caminhão, mas a carga já foi transbordada há tempos”, diz Ayres. (Gazeta do Povo)