Editorial Estadão
Depois de uma semana muito ruim para o governo, o Executivo decidiu mostrar alguma unidade em defesa de uma política fiscal mais austera e da necessidade de conter gastos públicos. Lado a lado, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, pregaram celeridade no trabalho para revisão de despesas para que as propostas possam nortear a elaboração do Orçamento de 2025, a ser enviado ao Legislativo até o fim de agosto.
A operação conteve parte dos danos no mercado financeiro. Depois de superar a marca de R$ 5,40, o dólar caiu um pouco e os juros futuros recuaram, mas o Ibovespa ainda fechou em queda. Pudera. O anúncio conjunto de Haddad e Tebet, embora evidentemente positivo em um cenário de tantas incertezas, não passa de uma intenção que ainda precisa ser avalizada pelo presidente Lula da Silva, que já demonstrou inúmeras vezes não ter a intenção de colocá-la em prática.
Contra promessas, há fatos concretos e consequências palpáveis. A devolução, pelo Congresso, dos principais trechos da medida provisória (MP) que restringia os créditos de PIS/Cofins às empresas simbolizou o esgotamento da estratégia de recuperação de receitas e um duro golpe contra Haddad. Medida rara e só adotada em momentos de muita insatisfação do Legislativo, a devolução foi anunciada na terça pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ao lado de Pacheco, sentado à mesa da presidência do Senado, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), declarou que a solução encontrada pelo senador mineiro tinha o apoio de Lula da Silva e interrompia uma “tragédia sem fim” – como se a MP devolvida não tivesse a assinatura do presidente da República. Para piorar, no dia seguinte, Lula da Silva ignorou o contexto político e econômico mais adverso desde sua posse. Cada vez mais parecido com Dilma Rousseff, Lula insultou a inteligência alheia ao afirmar que o governo está “arrumando a casa” e colocando as contas em ordem.
“O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público”, afirmou, sem cogitar qualquer medida de corte de gastos e como se tivesse algum poder sobre as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC).
Feito o estrago, que não foi pequeno, só então Lula da Silva abandonou o morde para adotar o assopra. Na quinta, disse que Haddad era um ministro “extraordinário” e que, com a edição da MP do PIS/Cofins, havia tentado ajudar a encontrar uma solução para compensar a renúncia associada à desoneração da folha de pagamento de 17 setores e dos municípios – uma responsabilidade que, agora, passa às mãos dos empresários e dos senadores, segundo Lula da Silva.
Fortalecer o ministro dependerá de atos, e não somente de palavras. De um lado, todas as propostas apresentadas por Tebet até agora foram rejeitadas pelas principais lideranças do PT e do governo. Por outro, o Congresso deu um sonoro basta às medidas de Haddad para aumentar a arrecadação.
Cumprir a meta fiscal passa a ser ainda mais desafiador, e é Lula da Silva quem precisa ser convencido da relevância desse objetivo para o futuro de seu próprio governo. Não se trata de um capricho de economistas, mas de uma necessidade para conter o avanço das despesas obrigatórias e a compressão do espaço dos investimentos no Orçamento.
Depois do tiroteio, o mercado também fez sua parte e manifestou apoio público ao ministro. Na quinta, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, disse que Haddad era o “fiador da economia” e que era hora de estender a mão ao ministro. “A agenda econômica vem perdendo tração e o fiscal não pode mais derreter.”
Na sexta, após uma reunião de mais de duas horas com Haddad, os bancos privados reafirmaram ter confiança no ministro e pediram “apoio firme” do governo, do Congresso e do empresariado à sua figura. É sintomático que tenha cabido à Febraban o papel de pedir ao setor produtivo e ao Legislativo que dê trégua a Haddad, e a Lula que dê suporte a seu próprio ministro. Em outras palavras, ruim com Haddad, pior sem ele.