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Quem foi Olavo de Carvalho: filósofo, cristão, anticomunista e referência da direita

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Foto: reprodução

Por Gazeta do Povo

O fenômeno do despertar de uma nova mobilização de ideias liberais e conservadoras no Brasil, alcunhado de “nova direita”, resultou de um processo complexo e da mobilização de diversos atores e instituições. Teve, entretanto, entre seus protagonistas inaugurais mais indiscutíveis, a figura do pensador paulista Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (1947 – 2022).

De poucos desses autores poderia se dizer que tiveram seus nomes gritados pelo público em manifestações de massa. Ao menos dois homens de ideias foram reverenciados dessa forma nos protestos que conduziram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Um deles, um autor estrangeiro: o economista austríaco Ludwig von Mises. O outro – que, aliás, atuou como divulgador do primeiro no cenário nacional – foi justamente Olavo.

Nascido em Campinas, Olavo de Carvalho exerceu múltiplas atividades em sua biografia. Em meio a essa pluralidade, a índole da controvérsia foi marca perene em sua trajetória. A Olavo, seria uma tarefa hercúlea ser indiferente a ela. A aptidão para atrair amores e ódios em intensidades tão singulares leva a uma consideração inescapável, qualquer que seja o juízo de valor que daí se deduza: a de que não se pode desconhecer o seu papel de impacto no universo do pensamento brasileiro.

Na juventude, Olavo militou pelo movimento comunista que se dedicaria posteriormente a combater, opondo-se aos governos militares nos anos 60. Desde cedo, já exercia o ofício de jornalista – a primeira experiência foi aos 17 anos, na Folha da Manhã. Em seguida, atuou como astrólogo. Integrou o I Colóquio Brasileiro de Astrologia em São Paulo e colaborou em um curso de extensão universitária sobre o assunto voltado a estudantes de Psicologia na PUC-SP, em 1979. Publicou seu primeiro livro no ano seguinte: A Imagem do Homem na Astrologia. Mais recentemente, apesar de rever suas antigas posições e se declarar um “ex-astrólogo”, jamais chegou a renegar a importância do tema astrológico, enfatizando que ele ainda despertaria reflexões úteis às ciências humanas se fosse devidamente aprofundado.

Influência de esotéricos levou à profissão do Catolicismo
O pensamento de Olavo de Carvalho também foi bastante influenciado por sua vivência em círculos esotéricos, em um período em que sua atenção se voltou para o tema da religião comparada. Frequentou a representação brasileira da tariqa – centro de confraternização e contemplação dos místicos islâmicos, chamados “sufis” –, do suíço Frithjof Schuon. Segundo o próprio Olavo, sua intenção ao fazê-lo era perseguir uma compreensão mais profunda da vida espiritual.

Através de Schuon, Olavo também foi influenciado pelo pensamento do francês René Guénon, moldando-se à escola filosófica sustentada pelos dois autores esotéricos, o Perenialismo. O Perenialismo é uma forma de tradicionalismo que receia o que julga ser a degeneração da civilização ocidental sob o impacto do Iluminismo e da modernidade.

Apesar de a tariqa ser um círculo esotérico islâmico, Olavo considerava que o Perenialismo o conduziu à compreensão de que o Cristianismo seria a “ciência das ciências” e de que haveria uma “unidade transcendente das religiões”, mas apenas no que diz respeito à identidade de suas doutrinas metafísicas, não em seu poder de salvar as almas ou santificá-las.

Aderiu declaradamente ao Catolicismo romano. Contudo, em parte em consequência de suas tendências perenialistas, o pensador paulista entrou em rota de colisão, em diversas ocasiões, com círculos tradicionalistas católicos, a exemplo dos entraves com o polemista Orlando Fedeli, que considerava Olavo um desvirtuado da verdadeira doutrina da Igreja. Os alunos e admiradores do filósofo, numerosos e dispostos a reconhecer em seu trabalho uma contribuição única para o desenvolvimento intelectual e cultural do Brasil, costumavam retrucar alegando que poucos conseguiram conduzir tantas pessoas à fé católica quanto Olavo.

Olavo de Carvalho foi notável conservador e anticomunista ferrenho
Em sua atuação como intelectual público, construída sem qualquer diploma universitário – ainda que tenha estudado no Conjunto de Pesquisa Filosófica da PUC-RJ por três anos, sob a direção do professor e padre Stanislavs Ladusãns – Olavo se notabilizou por suas posições conservadoras e anticomunistas. O pensador naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez, ex-ministro da Educação, em sua obra Pensamento Político Brasileiro Contemporâneo, apresentou Olavo de Carvalho como um dos autores que pretenderam investigar “o pano de fundo de crenças fundamentais” em que se apoiam as sociedades, em seu caso “a partir de uma plataforma de mitos primordiais presentes nas antigas tradições espirituais” e de uma análise da simbologia constante desses mitos. Com esse objetivo, um dos textos mais impactantes de Olavo é sua análise da aplicação dessa simbologia ao clássico filme de 1991 O Silêncio dos Inocentes, protagonizado por Anthony Hopkins e Jodie Foster.

Além dos perenialistas, em seu trabalho filosófico, Olavo de Carvalho promovia um diálogo particular com a filosofia clássica grega, como nos livros O Jardim das Aflições: de Epicuro à Ressurreição de César – Ensaio sobre o materialismo e a religião civil (1995) e Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à teoria dos quatro discursos (1996). Tornou-se um crítico pungente de algumas das principais filosofias da modernidade, que considerava como retrocessos em relação ao pensamento clássico, criticando com especial afinco autores como Immanuel Kant, Hegel ou Karl Marx.

Como jornalista, Olavo escreveu para veículos como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo e Diário do Comércio. Obras de sua autoria, como O Imbecil Coletivo (1996) e, mais recentemente, o best seller O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota (2013), conquistaram grande sucesso editorial e atraíram, em meio às várias críticas negativas (particularmente da intelectualidade universitária, alvo recorrente de suas investidas), elogios de personalidades como Roberto Campos, Meira Penna, o poeta Bruno Tolentino e o também jornalista Paulo Francis.

Influenciador nas redes sociais, valorizava a linguagem acessível
A retórica de Olavo como comunicador através da internet e das redes sociais, meios em que se tornou um influenciador expressivo e popularizou um curso de Filosofia – mantendo ainda um veículo de imprensa, o Mídia Sem Máscara, e um programa, o True Outspeak –, foi, entretanto, o verdadeiro instrumento que deu a seu nome o auge de penetração social. A partir daí, sua biografia foi travestida de todo gênero de folclore conspiracionista e os humores mais suscetíveis se escandalizaram com seu estilo sarcástico e seu recurso constante a palavrões e ataques virulentos contra seus adversários.

Na visão de Olavo, os palavrões eram “necessários no contexto brasileiro para demolir essa linguagem polida que é uma camisa de força que prende as pessoas, obrigando-as a respeitar o que não merece respeito”. A dinâmica com que Olavo amealhou milhares de alunos e discípulos, mesmo vivendo nos Estados Unidos desde 2005, deu origem a comentários de que esses alunos teriam adquirido um comportamento sectário, provocando enfrentamentos virtuais intensos e polarizadores.

Divulgador fundamental de autores diversos do conservadorismo
O reconhecimento de que Olavo se tornou um divulgador fundamental de diversos autores, muitos deles anteriormente quase desconhecidos, é praticamente unânime. Olavo foi revisor e editor da obra de nomes como Roger Scruton, Eric Voegelin, Christopher Dawson, o romeno Constantin Noica, o francês Émile Cioran e o brasileiro Mário Ferreira dos Santos. Outros mais conhecidos, como o alemão Arthur Schopenhauer, foram editados, revisados ou ao menos apresentados a uma grande quantidade de internautas no país por Olavo de Carvalho, alimentando bibliograficamente o que se tornaria a “nova direita” brasileira das primeiras décadas do século 21.

Politicamente, Olavo defendia a importância de construir uma elite intelectual capaz de auxiliar no saneamento do país em todas as suas esferas. Alguns conceitos que determinaram decisivamente o pensamento da nova geração de liberais e conservadores e que foram popularizados por sua pregação foram a denúncia contra o Foro de São Paulo, uma organização fundada em 1990 pelos grandes partidos de esquerda da América Latina, e o ataque à “revolução cultural gramsciana” – uma adaptação estratégica da esquerda à ocupação dos espaços de formação do imaginário, a que liberais e conservadores precisariam responder para desfazer uma “hegemonia cultural” vigente no ciclo da Nova República.

Olavo acreditava que o Brasil tinha uma “democracia doente”, devido ao desequilíbrio entre esquerda e direita, com absoluto predomínio da primeira. Também se dedicou a criticar a “mentalidade revolucionária”, designação de um “estado de espírito” no qual “um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade”, e combateu pautas como o aborto e o casamento gay.

Para Olavo de Carvalho, o conservadorismo abrange o que há de positivo no liberalismo
Na visão de Olavo, o rótulo “conservador” já abrangeria os aspectos positivos do liberalismo. Chegou a publicar que temia que os liberais e libertários elevassem a economia de mercado ao patamar de um valor supremo, embora tenha também elogiado a visão de economistas da Escola Austríaca. Apesar de suas posturas de crítica a aspectos da modernidade, ele enfrentou autores antiliberais com argumentos em defesa do individualismo ocidental, como em seu famoso debate com o pensador russo Alexandr Dugin.

Apoiou a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, bem como era simpático às bandeiras de Donald Trump. O polêmico ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, e o presidente Jair Bolsonaro estiveram com Olavo em um jantar nos EUA. Alunos e admiradores do filósofo de Campinas – que sempre recusou a pecha de “ideólogo” do governo – ocuparam posições importantes na administração federal.

Sobre Bolsonaro, no último 28 de dezembro, em uma live, Olavo se defendeu de críticas de pessoas próximas ao presidente e disse ter sido o responsável por transformá-lo em um candidato elegível para o Planalto. Para Olavo, Bolsonaro teria feito uma boa administração, merecia ser reeleito, mas foi “péssimo” em se defender dos inimigos. “Ele um excelente administrador, um homem honesto, nunca roubou nada e está fazendo um bom trabalho”, disse. “A única coisa que ele não faz direito, ou faz pessimamente, é se defender dos inimigos. Isso ele não sabe fazer. Ele só sabe apanhar”.

No campo científico, fez diversas críticas a como Isaac Newton, Giordano Bruno e Galileu Galilei, que, em sua opinião, seriam supervalorizadas. Em março de 2020, declarou que a pandemia do coronavírus representava “a mais vasta manipulação de opinião pública que já aconteceu na história humana” e que o que então era considerado uma endemia era simplesmente uma fraude. Foi um ferrenho combatente da ideia do passaporte sanitário. Entre seus últimos aforismos de vida, escreveu: “Quem leva a política a sério luta A FAVOR de ideais e CONTRA grupos e indivíduos. O atual direitismo brasileiro não tem ideais, só tem um ídolo. E contra o esquerdismo só faz luta de ideias. Está tudo invertido”.

Faleceu em 25 de janeiro de 2022, de causa não divulgada pela família.

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