Por Bruno Soller / Estadão
As eleições de 2022 foram marcadas por uma grande polarização política. Jair Bolsonaro, então presidente, conseguiu a façanha histórica de ser o primeiro líder do País que não se reelegeu. Seu governo afetado em demasia pela crise do coronavírus, que impactou fortemente a economia brasileira, além de uma postura pessoal pouco ortodoxa, com o presidente vivendo às turras com a imprensa, dando declarações bastante polêmicas, quase que semanalmente, e um flerte constante com o militarismo, que criava uma nuvem de incertezas sobre o compromisso democrático de Bolsonaro, foi caindo de aprovação gradualmente.
Do lado oposto, Lula, recém saído da prisão, e de certa maneira responsabilizado pela tragédia do governo Dilma Rousseff, impeachmada no auge de sua impopularidade, com apenas 9% de aprovação, segundo o Datafolha da época, ainda guardava consigo uma lembrança de um último período de um ciclo econômico de certa bonança, que havia impacto a vida das pessoas mais pobres.
Essa expectativa de um retorno de uma vida mais tranquila do ponto de vista financeiro para as famílias mais necessitadas, fez com que as classes mais baixas do Brasil depositassem, mesmo diante de todas as circunstâncias postas, uma nova esperança em Lula, que sabedor da realidade, aproveitou para ecoar aos quatro cantos que o “churrasquinho com a cervejinha” do final de semana voltaria a ser realidade.
A classe D, 28,8% do país, segundo os dados do Critério Brasil, da ABEP, e parte graúda da classe C2, 27,7%, que vivem com uma renda média domiciliar de até R$2.000,00, agarraram-se na experiência passada à espera de boas novas. Amedrontada com os movimentos políticos de Jair Bolsonaro, parte da classe mais alta, a título de preservar os direitos democráticos, conquistados com o final da ditadura militar, preferiu tapar o nariz e votar em Lula para salvaguardar a possibilidade de fazer oposição, dentro dos ritos da democracia.
A campanha petista identificou esses sentimentos e com primazia comunicou a cada um dos insatisfeitos com Bolsonaro, como seria o rito de um novo governo Lula. Durante a construção de sua candidatura, Lula falou em frente ampla, fez carta aos evangélicos, falou em olhar pra frente, em garantir a democracia, em reativar o respeito internacional da diplomacia brasileira e o mais importante: melhorar a vida dos que mais precisam. Cirúrgico, conseguiu, aproveitando-se de certa obtusidade do bolsonarismo, o pouco que precisava para vencer uma eleição, que se decidiu por uma ínfima diferença de menos de 2% dos votos.
O Lula da campanha, todavia, ainda não entrou em campo no governo. Desde seu retorno à cadeira que ocupou por 8 anos no início do século, Lula tem feito movimentos bastante contrários ao que pregava. No campo das relações exteriores, apesar das inúmeras viagens, onde propaga reinserir o Brasil no hall dos atores globais, o presidente tem se envolvido em polêmicas ideológicas que em nada ajudam na sua compreensão de estadista ou democrata.
Ao relativizar a guerra na Ucrânia, mostrando certo apreço pelo presidente russo Vladimir Putin, figura pública mais rejeitada no cenário global, segundo pesquisa da Pew Research, com desaprovação de mais de 80% fora da Rússia, mostrar-se simpático a Nicolas Maduro, líder venezuelano, que comanda um regime de exceção e perseguição a opositores no país vizinho – aqui vale citar uma pesquisa da Atlas que mostra que 73% dos brasileiros enxergam a Venezuela como uma ditadura – e comparar de maneira, no mínimo, infeliz a situação da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas com o holocausto vivido pelo povo judeu, durante a Alemanha Nazista, Lula faz um disparo de metralhadora no pé e conversa unicamente com o eleitor mais radical de seu campo de apoio ideológico.
As falas descabidas expulsam os moderados que lhe garantiram vitória e afasta completamente a possibilidade de diálogo com um dos públicos que mais crescem no Brasil, os evangélicos, que possuem uma relação de fé com Israel, por todo o significado bíblico que carrega a chamada Terra Prometida. No entanto, mais do que essa série de deslizes, se assim se pode chamar, o maior dos problemas que o governo enfrenta é a falta de respostas para a questão financeira das famílias.
Os preços absolutamente exorbitantes de bens de consumo básico como o arroz, o feijão, as leguminosas, o azeite de oliva, fazem da ida ao supermercado um martírio para a maioria das famílias. Não há dinheiro que chegue para que as compras sejam suficientes. Essa situação é a que mais contrasta com a figura de Lula e gera mais tensão entre os seus eleitores. O voto em Lula foi justamente para mudar essa situação e a realidade tem mostrado um agravamento.
O surto da dengue, que tem afetado mais de 1 milhão de brasileiros tem gerado comparações espontâneas com a crise da covid-19. A falta de proatividade de Lula, pessoalmente, como líder máximo da nação, tem criado uma sensação de falta de pulso para tratar a questão. Com o achincalhamento que sofreu Bolsonaro por suas posições extremamente controversas na época do coronavírus, Lula precisaria mostrar mais para justamente fazer o contraponto ao seu maior rival político. Um dos maiores problemas para Bolsonaro, durante a pandemia, foi justamente a visão que parte da sociedade teve sobre ele. Poucos imaginavam que um militar tivesse tão pouca capacidade de liderança para assumir as rédeas do País em um momento de intensa crise.
As quedas de aprovação do governo e de Lula nas pesquisas Genial/Quaest e Atlas mostram que o governo está na contramão do que a população espera. 13% dos eleitores, segundo o levantamento da Atlas, que dizem ter votado em Lula, já não mais aprovam o governo, queda bastante substancial levando em conta a realidade do último pleito e a estreiteza de margens.
O caos da segurança pública tem criado um ambiente de mais preocupação nas pessoas e afetado também o ânimo do brasileiro. Em levantamento feito pela RealTime Big Data, para o Três Poderes e para a Record, sobre a disputa eleitoral em São Paulo, 27% dos paulistanos consideram a segurança pública como o maior problema a ser resolvido pelo próximo prefeito. Essa dinâmica se espraia por todo o país e gera insatisfações também com o governo federal.
O discurso de amplitude se não realizado na prática tende a agradar convertidos. Pregar para quem já segue é mais cômodo e agradável, mas pode fazer pagar um preço muito alto. Bolsonaro viveu isso. Saiu da presidência e ainda hoje é uma estrela para seus fieis seguidores, mas no jogo democrático é necessário conquistar 50% mais um para se manter no poder.
Lula é especialista em eleições. Muito hábil, aprendeu depois de três derrotas seguidas, que se não fizesse concessões e mudasse a sua imagem do radical líder sindical, anti Constituição e Plano Real, não conseguiria melhor sorte. Saiu de um personagem que pregava o rompimento com o sistema para um dos políticos mais populares da história brasileira.
Perto dos 80 anos, Lula precisa começar a pensar, se vai querer se reeleger e se consolidar como o presidente mais longevo da história democrática, governando o Brasil por quase duas décadas, ou se vai apenas afagar o ego daquele jovem rebelde que nunca conseguiu sair vitorioso. O fato é que se continuar quebrando as expectativas, Lula correrá riscos em 2026.