Repressão, perseguição, intimidação e uma tímida sinalização de “boa vontade” do regime para tentar aliviar as pressões econômicas do dia a dia que pesam sobre os cubanos. É assim que Miguel Díaz-Canel está respondendo aos protestos de 11 de Julho, que pegaram as autoridades castristas de surpresa e lembraram ao mundo que a ilha é governada por uma ditadura brutal.
As marchas por liberdade representaram uma rachadura na estrutura de poder comunista. Porém, o caminho para uma transição democrática promete ser longo. Pressão internacional, uma oposição mais bem organizada e dissidências entre as autoridades do regime são alguns dos fatores apontados por analistas ouvidos pela Gazeta do Povo para que o movimento pró-liberdade e pró-democracia tenha sucesso em Cuba.
Como o regime cubano mantém o poder?
Ao contrário das ex-repúblicas soviéticas, os Castro mantiveram o comunismo vivo em Cuba após a queda da União Soviética, que até fim dos anos 1990 era grande apoiadora do regime cubano.
Após o baque econômico inicial, a ditadura castrista procurou outras fontes de renda, que foram encontradas principalmente no turismo; na assistência militar à Venezuela, que em troca fornecia combustíveis; e no envio de dólares de cubanos no exterior para familiares na ilha.
Ainda, uma das principais fontes de renda de Havana é a exportação de serviços de saúde, por meio programas como o Mais Médicos – criticados por organizações internacionais, como a Human Rights Watch, por violar os direitos humanos dos profissionais enviados para prestar serviço fora do país.
Nos 60 anos em que está no poder, a ditadura aprimorou seus métodos de controle social, impossibilitando a existência de uma oposição. O sistema cubano de partido único não permite a dissidência política e atua para reprimir movimentos contrários ao regime.
O aparato de segurança estatal cubano conta com um número expressivo de informantes, cidadãos comuns que vigiam atividades de vizinhos e relatam ações ilegais, como fazer compras no mercado negro, desobedecer ordens do Partido Comunista ou participar de movimentos de oposição.
A ditadura conta também com a polícia secreta para esse controle. Estima-se que a proporção de agentes da polícia secreta na população cubana seja maior do que a da infame Stasi, que atuava em Berlim Oriental.
“Cuba desenvolveu, em 60 anos, métodos de espionagem entre pares muito potentes”, diz Carmen Beatriz Fernández, consultora política e acadêmica e professora na Universidade de Navarra (Espanha). “É um mecanismo herdado da União Soviética e da Alemanha Oriental. Em Cuba, não se podia mover uma mosca sem que um funcionário do governo soubesse”.
Esse modelo de controle social “provavelmente vai isolar o regime cubano de qualquer forma de colapso iminente”, avalia Ryan C. Berg, pesquisador do Center for Strategic & International Studies (CSIS), um grupo de pesquisas em Washington (EUA).
Antes dos protestos de 11 de Julho, o sistema de controle social era muito eficiente em coibir a dissidência antes que ela se tornasse um “problema”. Se alguém está conspirando ou planejando um protesto, a inteligência do regime ficava sabendo muito antes.
No entanto, Carmen Fernández diz que o regime foi surpreendido pelos protestos de 11 de julho, que o aparato de controle social não pôde controlar. Os protestos, por serem espontâneos, romperam esse sistema de dominação, disse ela.
Os protestos podem provocar a mudança?
Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo são cautelosos na avaliação sobre a possibilidade de mudança do regime cubano a partir dos recentes protestos.
Apesar do descontentamento da população e da ousadia dos que saíram às ruas, ainda é cedo para dizer se haverá mudança política em Cuba.
“Se [os protestos] são o princípio de uma mudança do regime, eu não sei. E acredito que ninguém saiba”, opina Carlos Malamud, analista sênior para América Latina no Elcano Royal Institute, grupo de pesquisa com sede em Madri, Espanha.
O que falta para que o regime caia?
Para Malamud, a mudança vai depender “da capacidade do regime de manter suas fileiras sem grandes rupturas, sem grandes contradições internas”.
“Na medida em que comecem a aparecer dissidências internas, poderia ter início uma situação diferente”, diz o especialista.
Casos de dissidência dentro da estrutura de governo de Cuba têm sido raros nesses 60 anos e, até o momento, não houve grandes sinais de dissidências após os recentes protestos.
A imprensa inicialmente relatou que o vice-ministro do Interior, Jesús Manuel Burón Tabit, que supervisiona forças policiais e de segurança, havia pedido demissão no dia 14 de julho, devido ao excessivo uso da força contra os manifestantes. Mas logo em seguida a informação foi negada pelo regime.
Embora a demissão da autoridade do Ministério do Interior tenha sido negada, há relatos de alguma dissidência interna entre gerações mais novas e mais velhas nas forças armadas, segundo disseram fontes ao jornal espanhol ABC. Porém, essas fissuras não devem ser o suficiente para ameaçar a segurança do regime, dizem pesquisadores do CSIS.
Além disso, as chances de mudança irão depender também de como a oposição conseguirá se articular em um movimento mais organizado que o atual.
A oposição cubana, além de ser fragmentada e descentralizada, também é infiltrada pelas forças de segurança e serviços de inteligência, frisa Malamud. “Isso evidentemente complica que no futuro se coloque em marcha um movimento mais coordenado”.
Rafael Cox Alomar, professor de Direito na Universidade de Harvard, concorda: “A oposição política em Cuba parece estar grandemente fragmentada, sem estratégia ou liderança visíveis – elementos indispensáveis para alcançar o sucesso de longo prazo”, disse Alomar ao Harvard Law Today.
A pressão internacional também pode ser um fator chave para uma transição democrática na ilha. Embora muitos cubanos que vivem no exterior estejam pedindo por uma intervenção militar americana na ilha, não há vontade política para que isso ocorra, como já deixou claro o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, o democrata Bob Menéndez.
Contudo, há outras formas de pressão internacional, advogadas por cubanos no exílio, que poderiam enfraquecer a ditadura. Eles citam o corte das relações diplomáticas com Cuba, fim do financiamento ao regime – principalmente por meio de negócios com empresas controladas pelos militares -, assistência para os dissidentes e para os que lutam pela democracia, além de garantir que os cubanos na ilha possam ter acesso à serviços de internet e telefonia.
“Uma maior pressão internacional tem a ver, principalmente, com a questão econômica”, afirma Carmen Fernández, citando que, a não ser que um país venha socorrer o regime, Cuba se veria forçada a abrir sua economia.
Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam ser muito difícil que a China, embora tenha demonstrado apoio a Díaz-Canel, atue como um financiador do regime por questões geopolíticas, já que a presença do gigante asiático na América Latina é muito mais pautada pelos negócios.
Com a ausência de um “patrocinador” estrangeiro e eventuais sanções ao regime e aos negócios com os militares, os números econômicos em Cuba poderiam aumentar a indignação popular, levando as autoridades a escolher entre uma transição negociada ou aumento da repressão.
Por fim, Fernández lembra que um dos fatores que mais devem influenciar o futuro da ilha é como vão agir as pessoas que estão no entorno do governo, que se beneficiam do status quo – aquelas que compareceram nos atos em apoio à ditadura, convocados para fazer frente aos protestos.
“Elas vão se perguntar: o que vai acontecer comigo, com minha família. Se a reposta for a prisão ou mortes, elas tendem a continuar do lado do regime. Por isso é importante que essas pessoas sintam que pode haver incentivos para uma transição”, concluiu a analista espanhola.