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PF busca mais provas para envolver Bolsonaro em suposta tentativa de golpe; prisão é improvável

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Foto: reprodução

A investigação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes sobre a suposta tentativa de golpe de Estado tramada no fim de 2022 está bem próxima do ex-presidente Jair Bolsonaro. A Operação Tempus Veritatis, deflagrada na semana passada, alcançou militares e ex-assessores diretamente ligados a ele. Agora o trabalho da Polícia Federal concentra-se em encontrar mais provas que possam confirmar a suspeita de que Bolsonaro estava por trás dos planos de anular o resultado da eleição daquele ano. Uma prisão preventiva, no entanto, ainda não está no horizonte, a não ser que o ex-presidente cometa erros que possam ser interpretados como tentativa de prejudicar a investigação.

Alguns elementos, revelados na decisão que autorizou a operação, já complicaram a situação de Bolsonaro, mas ainda existem algumas pontas soltas que precisam ser esclarecidas para que a tese da PF se sustente de fato. Até o momento, o que implica Bolsonaro diretamente são as mensagens de seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid que revelam que ele ajustou uma minuta de decreto que determinava a prisão de Moraes e convocava novas eleições; e o vídeo de julho de 2022 em que Bolsonaro pressionava ministros do governo a engrossar seus questionamentos ao processo eleitoral antes da realização do pleito.

Alguns fatos revelados nas ações da Polícia Federal, contudo, deverão ter a investigação aprofundada para que se entenda a participação de Bolsonaro. Algumas das questões que faltam ser respondidas são:

1) Bolsonaro determinou o monitoramento de Moraes no final de dezembro de 2022, executado pelo coronel da reserva Marcelo Câmara, ou ele agia somente a mando de Cid?
2) Qual foi o teor da conversa entre Bolsonaro e o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, que chefiava os comandos de Operações Terrestres (Coter) e Especiais (Coesp)?
3) Com que dinheiro Mauro Cid organizava e financiava protestos em frente aos quartéis?

Na investigação, a PF espera obter essas respostas nos celulares, computadores e documentos apreendidos no último dia 8. Os agentes cumpriram 33 mandados de busca e quatro prisões preventivas. Além de Marcelo Câmara, foram presos e interrogados o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto; o ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins; o coronel Bernardo Romão Correa Neto, que estava nos Estados Unidos; e o major Rafael Martins de Oliveira. Todos eles estão envolvidos em episódios-chave para elucidar o papel de Bolsonaro.

Na semana passada, Bolsonaro negou intenção de dar um golpe de Estado. Disse que seu governo preparou uma transição “sem problemas” para o sucessor Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “A pedido do Lula, nomeei os três comandantes de Força escolhidos por ele em dezembro. Como vou nomear comandante de Força dele e dar um golpe depois?”, disse. Na mesma linha, seus advogados alegaram que ele “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.

A expectativa na Polícia Federal é que a busca contra Marcelo Câmara traga para a investigação mais detalhes do chamado “núcleo de inteligência”, que coletaria “informações sensíveis e estratégicas para a tomada de decisão” de Bolsonaro. O delegado do caso, Fábio Shor, já capturou as mensagens que ele enviou a Mauro Cid com os deslocamentos de Moraes, chamado por eles pelo codinome “professora” – o objetivo seria seguir o ministro para que pudesse ser preso assim que Bolsonaro assinasse o decreto “golpista”.

Filipe Martins, por sua vez, é investigado por supostamente ajudar a elaborar esse documento. Com base na delação de Mauro Cid, a PF indica que ele teria redigido a justificativa da medida – os “considerandos”, parte inicial de todo decreto que apresenta considerações que motivam o ato e que, no caso, eram relacionadas a interferências do Supremo Tribunal Federal (STF) no governo e a decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a campanha de Bolsonaro.

Com dados de geolocalização do telefone celular, a PF verificou que Filipe Martins esteve diversas vezes no Palácio da Alvorada entre novembro e dezembro, inclusive no dia 7 de dezembro, quando teria levado a Bolsonaro a minuta que seria apresentada ao então comandante do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, ao então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, e também ao ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Como alvos da operação, os dois últimos deverão explicar à PF o que exatamente se discutiu na ocasião.

O coronel Bernardo Romão Correa Neto tem relevância para a PF por ter um “indiscutível papel de proeminência nas tratativas e providências relacionadas ao intento de ruptura institucional”, segundo diz a PF. Para os policiais, ele teria atuado para desacreditar o processo eleitoral, incitado “medidas radicais” entre militares, organizado reuniões com homens das Forças Especiais para obter suporte que impedisse a posse de Lula e prendesse Alexandre de Moraes; além de supostamente ter se envolvido na elaboração do decreto que concretizaria o golpe de Estado.

As investigações apontam que em 28 de novembro de 2022, Correa Neto chamou para uma reunião oficiais das forças especiais considerados fundamentais nos planos de uma ação militar contra a posse de Lula.

No mesmo dia, ele enviou a Mauro Cid o esboço de uma “carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército brasileiro”. O destinatário era Freire Gomes, então comandante da força e que, segundo as mensagens de Cid, resistia em aderir à ala que queria uma intervenção. A carta seria uma forma de pressioná-lo.

Em 30 de dezembro, quando Bolsonaro deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos, Correa Neto foi designado para atuar numa missão em Washington até 2025 – para a PF, um indício de que ele pretenderia escapar de investigações, e daí a necessidade de sua prisão, efetivada neste fim de semana, quando ele retornou ao Brasil.

Assim como no caso dos demais presos, seu interrogatório é considerado crucial para esclarecer o papel de Bolsonaro, especialmente numa eventual tentativa de acionar militares de elite. Um dos comandantes fundamentais nesse sentido era o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira. Segundo a PF, ele teria “concordado em executar as medidas que culminariam na consumação do golpe de Estado”, desde que Bolsonaro assinasse o decreto.

Em 9 de dezembro de 2022, Mauro Cid enviou a Freire Gomes uma mensagem de áudio relatando o desejo de Bolsonaro em conversar com o general Theophilo, pois estaria sendo pressionado a tomar uma medida “mais radical”.

No mesmo dia, no início da noite, Correa Neto iniciou uma nova conversa com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. “E aí, vai ou não vai?”, perguntou o coronel a Mauro Cid. “Dia a dia / As coisas estão sendo construídas”, respondeu. “O papo foi bom? / Dia a dia vai chegar dia 12 kkkkkk”, replicou Correa Neto – em 12 de dezembro, Lula foi diplomado como presidente pelo TSE. “Ainda não acabou / Mas ele quer fazer… Desde que o PR assine”, respondeu Mauro Cid, referindo-se com a sigla PR a Presidente da República. “Mas e o CFG?”, perguntou Correa Neto, numa possível referência ao general Freire Gomes. “Difícil ainda”, respondeu Cid. “Que merda, velho!”, escreveu Correa Neto.

Um ponto nevrálgico da investigação e que pode ligar os planos de ruptura às invasões do STF e do Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023 é uma troca de mensagens entre Mauro Cid e o major Rafael Martins de Oliveira. Em 11 de novembro de 2022, dez dias após a vitória de Lula e quando manifestações em frente a quartéis do Exército já se espalhavam pelo país, Rafael pediu a Mauro Cid “orientação” quanto aos locais para realização dos atos e perguntou a ele se as Forças Armadas garantiriam a presença das pessoas nessas áreas.

“Ae… o pessoal tá querendo a orientação correta da manifestação. A pedida é ir para o CN e STF?? As FFAA vão garantir a permanência lá?? / Perguntas recebias [sic]”, escreveu o major a Mauro Cid. Este respondeu: “Cn e STF / Vão”. “Show”, escreveu depois Rafael. A sigla CN seria uma possível referência a Congresso Nacional.

Dias depois, em 14 e 15 de dezembro, os dois falam sobre gastos. “Só faz uma estimativa com hotel / Alimentação / Material / 100 mil?”, pergunta Cid. “Ok! Entorno [sic] disso”, responde o major. “Para trazer um pessoal do rio”, escreve Cid. “Pode ser preciso também”, diz Rafael. “Vai precisar”, responde Cid.

Para a Procuradoria-Geral da República, Rafael, também conhecido como “Joe”, “atuou de forma direta no direcionamento dos manifestantes para os alvos de interesse dos investigados, além realizar a coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos e arregimentar integrantes das Forças Especiais do Exército, para atuar nas manifestações, que, em última análise, não se originavam da mobilização popular”.

Um dos inquéritos sobre o 8 de Janeiro busca descobrir os financiadores da manifestação em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, e de onde partiram os invasores. O que a PF quer saber é onde Mauro Cid buscava recursos para bancar esse e outros atos. Se o dinheiro vinha da Presidência, Bolsonaro ficaria numa situação ainda pior. Mas ainda que a investigação indique que o dinheiro era privado, uma eventual participação de Mauro Cid na captação desses recursos revelaria um papel totalmente inadequado para o cargo que ocupava.

Numa das mensagens de Mauro Cid, datada de 16 de novembro de 2022, ele fala ao general Freire Gomes que “os empresários do agro que estão financiando, colocando carro de som em Brasília aqui tiveram os bens bloqueados e, e foram chamados para depor”.

Outro ponto que vem sendo explorado pela Polícia Federal é o envio de quantia equivalente a cerca de R$ 800 mil para um banco nos Estados Unidos em dezembro de 2022. O fato não é novo – já havia sido detectado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e noticiado amplamente em julho de 2023. A defesa do ex-presidente argumentou na época que ele enviou seu dinheiro para o exterior por não confiar na política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Em representação ao STF, a Polícia Federal faz a conjectura de que Bolsonaro teria transferido o dinheiro para se manter no exterior “possivelmente” agaurdando o desfecho da suposta tentativa de golpe.

Prisão preventiva é improvável
Por ora, nenhum desses elementos da investigação poderá acarretar uma prisão preventiva de Bolsonaro. Além dos fatos não serem atuais, até o momento a avaliação da PF é que as medidas já ordenadas por Moraes possam ser suficientes para impedir fuga (daí a apreensão do passaporte) e prejuízo às investigações (por isso a proibição de contato entre os investigados, para que assim não possam combinar versões, e o afastamento dos militares de suas funções, para que não pressionem subordinados a esconder fatos ou rastros).

Se Bolsonaro tentar burlar uma dessas restrições, um pedido de prisão preventiva tende a ser feito pela PF e autorizado por Moraes. Cabe aos advogados do ex-presidente orientá-lo para evitar qualquer ato que aparente uma tentativa de atrapalhar o inquérito ou mesmo afrontar Moraes e o STF. Um sinal disso foi dado na convocação que Bolsonaro fez para uma manifestação em seu favor na avenida Paulista, no próximo dia 25. No vídeo, ele pediu a seus apoiadores para não levarem cartazes e faixas “contra quem quer que seja”.

Não ocorrendo uma prisão preventiva nem uma prisão em flagrante, Bolsonaro só poderia ser encarcerado após o trânsito em julgado de uma condenação, isto é, quando não couberem mais recursos contra uma sentença punitiva. É algo ainda distante no tempo. O inquérito ainda não terminou e só após sua conclusão, a Procuradoria Geral da República decidirá se oferece uma denúncia criminal. Nessa hipótese, o plenário do STF precisaria se reunir para um primeiro julgamento para decidir se aceita ou não a denúncia, verificando se há indícios fortes de autoria e materialidade de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Aceita a denúncia, seria aberto um processo durante o qual a defesa poderia contestar mais a fundo das acusações, produzir provas em favor da absolvição e chamar testemunhas para depor em favor de Bolsonaro. Só ao final desse processo, após alegações finais de defesa e acusação, o STF se reuniria novamente para julgar o caso.

Em caso de condenação, ainda haveria a possibilidade de o ex-presidente recorrer duas vezes, no próprio STF, para tentar reverter o resultado. Só em caso de negativa, uma prisão para cumprimento da pena poderia, então, ser ordenada.

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