Ex-presidente defendeu aborto e pressão sobre familiares de parlamentares em suas residências. Deputados petistas tentam justificar declarações do pré-candidato
Jornal O Tempo
Após uma semana turbulenta causada por falas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ordem no PT é focar os temas considerados essenciais para o país e minimizar questões ideológicas que geram embates com o presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. As declarações de Lula com críticas à classe média, a ideia de mobilização para pressionar deputados e suas famílias e seu posicionamento sobre o aborto geraram um desgaste considerado por parlamentares petistas “desnecessário”. Alguns deputados preferem não comentar as falas do ex-presidente, outros avaliam que o foco nos temas polêmicos é parte da “estratégia bolsonarista” para evitar discutir problemas reais do Brasil, como a alta da inflação e as denúncias de corrupção no Ministério da Educação.
Na última segunda-feira, em evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Lula defendeu que a militância sindical procure deputados e seus familiares em suas casas para pressioná-los antes de votações. “Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas na casa, não é para xingar, não, é para conversar com ele, com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele, surte muito mais efeito do que fazer manifestação em Brasília”, disse Lula.
Um dia depois, durante debate promovido pela Fundação Perseu Abramo, na terça-feira, Lula afirmou que o aborto deveria ser um “direito de todo mundo”. Segundo ele, no Brasil as “mulheres pobres morrem tentando fazer aborto, porque é proibido”, enquanto mulheres ricas realizam o procedimento no exterior. No mesmo evento ele criticou a classe média brasileira: “Temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que não tem em muitos lugares. Aqui, na América Latina, a chamada ‘classe média’ ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”, afirmou.
As falas geraram reação de grupos religiosos e de vários políticos críticos do ex-presidente. Na última quinta-feira, Lula buscou amenizar e explicar as declarações. Ele afirmou que a pressão na casa dos deputados seria democrática e sem qualquer tipo de violência. Sobre o aborto, disse ser contra. “A única coisa que eu deixei de falar é que eu sou contra o aborto. Eu tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta”, afirmou em entrevista à rádio Jangadeiro Bandnews, de Fortaleza.
Deputados petistas mineiros minimizam o impacto das falas do ex-presidente e afirmam que bolsonaristas usaram as declarações de Lula para gerar polêmicas ideológicas e desviar o foco dos problemas enfrentados pelo atual governo. Alguns deputados procurados pela reportagem preferiram não comentar o tema.
“O presidente já havia se posicionado sobre as formas de se fazer o debate com parlamentares, de que muitas vezes é melhor buscar o diálogo nos Estados do que em Brasília, isso surte muito mais efeito. Mas sempre em manifestações democráticas, respeitosas. Sobre o aborto, ele já falou várias vezes sobre essa questão e disse que pessoalmente é contra, mas que, do ponto de vista do SUS e da legalidade, não se pode impedir uma mulher de tomar a decisão”, diz Rogério Correia (PT).
“O que houve após essas falas foi uma exploração política feita pelo bolsonarismo. Uma forma de desviar o debate dos problemas reais do país, que está enfrentando o cenário de inflação recorde, com os alimentos cada vez mais caros, e os casos de corrupção escancarada no Ministério da Educação”, finalizou Correia.
“O país está em crise, vamos discutir isso?”
O deputado federal Leonardo Monteiro (PT) também cita a estratégia de desviar o foco, mas admite que o tema do aborto não é consenso no PT.
“Ele (Lula) colocou a posição dele, que é ser contra o aborto. Mas disse que a sociedade deve discutir o tema. Esta é nossa posição, de que o tema tem que ser tratado e discutido. Lógico que somos a favor da vida, defendemos a vida. Tem gente no PT que é a favor do aborto, mas tem gente que é contra. Não é um tema ideológico”, avalia Monteiro.
O parlamentar diz que o debate eleitoral de 2022 não pode ser pautado pelos temas ideológicos e que o PT precisa apontar os problemas enfrentados pela população mais pobre do país. Ele lembra que as discussões de temas morais teve um impacto favorável a Bolsonaro na eleição de 2018 e que a estratégia deve ser diferente neste ano.
“O problema que está pegando no Brasil hoje é que as pessoas estão passando fome, estão sem casa para morar, a gasolina está quase R$ 8, e o botijão de gás está custando R$ 135. O país está vivendo uma crise social, ambiental, e até a democracia está em risco, e nós vamos discutir temas pertinentes à questão da religião, ao aborto? É um tema importante, não podemos transformar a eleição nesse debate, como foi na eleição passada. Bolsonaro transformou a eleição nesse debate. Em 2022, não pode ser a questão central”, avalia o deputado federal petista.
AUSENTES
As declarações do ex-presidente são tão controversas que parlamentares petistas procurados pela reportagem preferiram não comentar.
O presidente do PT no Estado, Cristiano Silveira, e o deputado federal e pré-candidato ao Senado, Reginaldo Lopes, foram alguns dos petistas que não responderam à reportagem.