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O recado do governo Lula é claro: retaliar responsáveis por notícias desfavoráveis

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Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por Fabiano Lana –  Estadão

A campanha que setores governistas coordenaram contra o Estadão nos últimos dias por causa da reportagem sobre a “dama do tráfico do Amazonas” não é exatamente contra o jornal ou seus profissionais. A advertência é mais ampla. Caso jornalistas se atrevam a produzir reportagens exclusivas, investigativas, que de alguma maneira machuquem o governo de plantão, haverá retaliação promovida tanto por políticos da base, autoridades com poder, quanto por sicários das redes sociais, incluindo os remunerados, os manipulados e os extremados.

O que conseguiram com tudo isso por enquanto? A reportagem sobre a “dama do tráfico”, de André Shalders e Tácio Lorran, se tornou a mais importante do jornalismo brasileiro neste ano de 2023 pelo que revelou sobre os atuais donos do poder e pelas suas consequências. E dificilmente será batida.

Podia ser tudo diferente se os governistas fossem mais habilidosos. A série de matérias do Estadão iniciadas dia 13 deste mês revelaram que Luciane Barbosa Fariasesposa de um chefe do Comando Vermelho do Amazonas, esteve por três vezes em Brasília este ano, recebida por autoridades do segundo escalão. Em uma das viagens, teve a passagem paga por um ministério.

Esses eram os fatos básicos – de maior impacto. É possível até relativizar a matéria no sentido de que autoridades e políticos de Brasília recebem e tiram fotos com dezenas de pessoas por mês. Que burocratas realizam tantas audiências que às vezes não conhecem as pessoas com quem se encontram no gabinete oficial. Isso é tão comum, que após a publicação das matérias do Estadãoo Ministério da Justiça anunciou que mudaria seu sistema de checagem.

Mas parte do governo adotou, digamos, uma estratégia terrorista – no sentido de buscar a destruição do que considera impertinente. Tentaram acuar o Estadão tanto institucionalmente quanto no CPF das pessoas físicas envolvidas na produção da matéria. Contra o jornal foram disparadas as injúrias vazias de sempre de quem é rasteiro no debate político: direitista, fascista, etc.

No caso da perseguição contra a editora-executiva do jornal, Andreza Matais, houve mais impiedade. A trataram como uma “inimiga do povo”, uma técnica meio maoista de cerceamento. A escalada se deu com postagens da própria presidente do PT, Gleisi Hoffman, e após isso, por meio do influencer Felipe Neto, que expôs a foto da jornalista para seus 16,6 milhões de seguidores. O que queriam? Que a profissional não pudesse nem mais sair de casa?

Macartismo feito, o influencer voltou atrás. Fica até mesmo a reflexão para o jornalismo. Por que ajudamos a empoderar como analista político um Youtuber que tem como prática rotineira agredir quem o desagrada ou diverge do que pensa? Felipe Neto atacou Lula, Bolsonaro, tucanos, e todos mais que o chatearam. Não sabemos por que motivos seus posicionamentos coléricos não podem ser chamados de discurso de ódio.

Houve casos também de funcionários (bem) pagos pelo governo, ou seja, com dinheiro público, que deixaram de lado pudores sobre a impessoalidade necessária a um trabalho para o Estado e partiram para a função de milícia chapa-branca. Não vale a pena citar nomes porque o que procuram neste momento são os holofotes.

Do ponto de vista técnico, quem discorda apresenta poucas restrições à reportagem. Questionam o título “dama do tráfico” concedido a Luciane. Afirmam que o jornal errou ao dizer que nas primeiras visitas a Brasília, a esposa do traficante já estava condenada. Ora, dar alcunhas a protagonistas de reportagens é prática tradicional do jornalismo mundial. Pode sim se questionar a estratégia, mas o ambiente de cólera não é o mais adequado para estabelecer o consenso. Quanto à questão da condenação, Luciane foi condenada por associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Houve várias outras revelações na sequência de matérias do Estadão que não foram questionadas.

Mas o que fica disso talvez precisa ser analisado por uma perspectiva mais ampla. O governo atual teve como uma das principais estratégias de campanha ser uma alternativa a um grupo autoritário e truculento no poder. Bastou ser minimamente contrariado para dar mais um giro no parafuso do autoritarismo e da truculência. O slogan “o amor voltou” era uma fake news?

A questão agora é ver como o jornalismo brasileiro irá se comportar daqui para frente. Manter as reportagens e as investigações de maneira a mostrar erros, equívocos ou abuso do poder, ou se intimidar? É o que teremos de observar a partir desse caso. Serão resistência?

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