Reação de parte da imprensa aos memes sobre Fernando Haddad é um acinte à checagem e à liberdade de expressão
Por Lygia Maria*
Um famoso aforismo atribuído ao compositor Gustav Mahler diz que “tradição não é o culto das cinzas, mas a preservação do fogo”. O jornalismo precisa voltar à sua tradição. Refiro-me à checagem dos fatos e à defesa da liberdade de expressão.
A reação de parte da imprensa aos memes satíricos sobre o ministro da Fazenda escancara essa necessidade.
Em programa da GloboNews, por exemplo, jornalistas disseram que o fenômeno é “coisa de profissional” e que, segundo fontes do governo, “tem dinheiro investido”.
Mas aplicativos de memes e de inteligência artificial são acessíveis e facilmente usados por quem não tem formação técnica. A propagação massiva é a essência dos memes.
Como a clássica orientação dada aos alunos em faculdades de jornalismo: se uma pessoa diz que está chovendo e outra diz que está ensolarado, seu trabalho não é citar as duas, mas abrir a janela e descobrir quem diz a verdade. Ou seja, é preciso desconfiar das fontes sempre e checar dados e informações para respaldar afirmações com evidências.
Assim fez reportagem da Folha. Ao consultar plataformas que monitoram fluxos de conteúdo nas redes sociais, constatou-se que o fenômeno surgiu de modo espontâneo, atrelado a notícias sobre aumento da arrecadação de impostos.
Para piorar, houve jornalista que sugeriu “identificar a origem e proibir esse tipo de operação”. Tal proposição é um acinte à atividade da imprensa, que nasce no século 18 pautada pela defesa ferrenha da liberdade de expressão. Sem contar seu entrelaçamento histórico com a sátira política, por meio de caricaturas e charges que apontam falhas de figuras de autoridade.
O jornalismo é a chama que ilumina os fatos e aquece a democracia. Seus profissionais têm o dever de preservá-la, ainda mais no cenário de produção intensa e caótica de informação das redes sociais e de polarização política que incentiva ataques, tanto da direita quanto da esquerda, à imprensa. É um disparate fornecer munição contra si mesmo.
*Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP