Notícia melhor não poderia ter, mesmo com algumas festas de final de ano sendo canceladas de última hora. O importante é que a esperança lançou seu sorriso e anunciou que não se esqueceu da caatinga, que já se encontra cinza, nem dos animais cujas costelas estavam visíveis
Réveillon com chuvas – Por Geraldo Eugênio / Jornal do Sertão*
Diferente do que ocorreu nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 após uma escalada de dias quentes com pouca nebulosidade e raras chuvas no Sertão do Nordeste, uma mudança na direção dos ventos trouxe chuvas inesperadas entre 31 de dezembro de 2023 e 01 de janeiro de 2024 no estado de Pernambuco.
Notícia melhor não poderia ter, mesmo com algumas festas de final de ano sendo canceladas de última hora. O importante é que a esperança lançou seu sorriso e anunciou que não se esqueceu da caatinga, que já se encontra cinza, nem dos animais cujas costelas estavam visíveis. Este primeiro momento é o da recomposição do verde, dos relvados, dos arbustos e do ressurgimento da cor nas copas das árvores.
Mesmo assim, a precaução é o que existe de melhor
Um sinal alvissareiro e que deve ser comemorado a todo instante sem deixar de lado o que anunciam as principais instituições de previsão climática sobre a cautela que deve se ter em relação ao inverno e o risco de receber um novo ciclo de secas ainda é real.
Claro que sempre existirão os pseudoprofetas antecipando o que ocorrerá nos próximos meses. Quase sempre vendedores de ilusões que preferem a aparição furtiva nas redes sociais ou em alguns instrumentos de mídia sem nenhum compromisso com a realidade dos fatos
A verdade é que como moradores do Semiárido e tendo acompanhado o desenrolar do clima há décadas, somos conhecedores, talvez como poucos, da ocorrência de ciclos de secas na região. Também sabemos que desde 2019 as chuvas na maioria das áreas sertanejas têm ocorrido na média ou acima dessa, o que fez com que o termo seca quase tenha desaparecido do vocabulário midiático. Entretanto, é importante chamar a atenção para o fato de que ela estará de volta a qualquer momento. Pode ser nos próximos meses ou no próximo ano mas, ao certo voltará a fazer sua visita.
Como ainda não se conta com previsões fiáveis para um período entre três e seis meses, o momento é de torcida de forma que as chuvas continuem a ocorrer e que logo mais se perceba a mudança da paisagem observando-se as roças de milho, feijão, mandioca e o pasto verde e apetitoso. Aqueles que conseguiram armazenar forragem suficientes para ultrapassar a época de estiagem, ótimo. Agora resta voltar a trabalhar com afinco de modo a aproveitar a água que cai sobre o pasto e sobre a palma forrageira e iniciar um novo período de trabalho árduo de economia de modo que ao chegar em julho, os silos trincheiras, as sacolas plásticas de silagem ou os fardos de feno estejam no galpão para a nova travessia.
Exemplos insus
Em contraste ao Semiárido dependente de chuvas, há áreas irrigadas. Um dileto amigo empresário envolvido com corporações internacionais esteve fazendo uma visita turística e de prospecção de negócios no Vale do São Francisco neste final de ano. Seu testemunho é marcante. Ele retrata o Vale como um dos mais dinâmicos polos de fruticultura irrigada de todo o mundo tropical, o local onde consegue se colher um parreiral a partir de nove meses do plantio e uma produtividade de 50 toneladas de mangas por hectare/ano. O relato do Paulo se compara à carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manoel, o venturoso, voltando a lembrarmos da célebre frase: no Brasil, em se plantando tudo dá
São quinhentos e vinte e três anos que separam os dois testemunhos e, vale lembrar que o segundo a partir de uma visão de um visitante em uma região que há setenta anos não tinha muito a oferecer, à exceção da possibilidade de se tornar um oásis. A terra prometida que Lampião, nos anos trinta, não viu ou que as hordas de migrantes nordestinos que passavam por Petrolina e Juazeiro, nos anos sessenta e setenta não enxergaram mas que se tornou realidade e hoje lidera uma mudança de padrão tecnológico na agricultura à altura de países mais ricos que contam com clima temperado.
O Semiárido é a bola da vez
Hoje, no terceiro dia de 2024, estive reunido com um grupo liderado pelos amigos Paulo Guimarães e Tânia Bacelar tratando de criarmos uma visão que insira o Semiárido no século XXI. Que faça a região estar no centro da discussão mundial sobre mudanças climáticas e agricultura sustentável, bem como como uma fonte de matérias-primas para uma bioeconomia que reflita o estado atual da ciência, da tecnologia e da demanda.
A cada dia se constrói um consenso entre a academia, os formuladores de políticas e os empresários do Nordeste, em qualquer que seja a atividade e do tamanho que represente seus empreendimentos, que a região atingiu o ponto de viragem e lentamente a solução rosa passa à cor azul. Chegou o momento em que as notícias sobre o semiárido não se fixem no gado magro ou morto à beira da estrada, na criança esquálida, na mãe com seu único e velho vestido cada dia mais curto, mas em um ambiente de prosperidade. O local em que seus filhos não necessitarão pegar o ônibus clandestino, da Guanabara ou da Gontijo para chegar ao Sudeste ou Centro-Oeste mas onde as oportunidades, os novos empreendimentos, as novas oportunidades serão objeto de atração de empreendedores que se juntarão a eles na transformação desta realidade.
Ainda há muito a ser feito, inclusive porque forças de resistência às mudanças continuam vivas, ativas e contam com um discurso afinado em defesa do status quo. Da parálise e da manutenção da ordem do dia. Outras forças cresceram e apresentaram-se como opção e perspectiva, o que leva o homem do Agreste e do Sertão de Pernambuco e dos demais estados que compõem o Semiárido a acreditar que a hora da mudança chegou e que já não há como segurar o futuro. Ele escapará entre os dedos, sairá de gavetas e gabinetes e fará do Nordeste aquilo que dele se almeja.
*Professor Titular da UFRPE-UAST