Paulo Câmara diz que vai defender banco e não vê conflito de interesses no caso
Ex-governador de Pernambuco, o novo presidente do BNB (Banco do Nordeste do Brasil), Paulo Câmara, realizou a suspensão de pagamentos destinados à entidade financeira enquanto estava à frente do Poder Executivo do estado. As medidas foram amparadas em decisões do Tribunal de Contas do Estado.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que uma eventual atuação do ex-governador nesses casos pode gerar um conflito de interesses em razão de não pagamentos do estado de Pernambuco ao BNB durante a gestão dele.
A nomeação de Paulo Câmara aconteceu nesta quarta-feira (29), após aprovação do seu nome pelo Conselho de Administração do banco.
Os pagamentos suspensos durante a gestão de Paulo Câmara ao Banco do Nordeste são relativos a empréstimos obtidos pela Odebrecht, ainda no governo de Eduardo Campos (2007-2014), para financiamento da construção da Arena de Pernambuco para a Copa do Mundo de 2014, em cerca de R$ 260 milhões.
Paulo Câmara era secretário estadual na época do contrato de concessão pública assinado com a empreiteira Odebrecht.
De acordo com acórdão de julgamento do TCE-PE (Tribunal de Contas do Estado), após a rescisão de contrato da concessão da Arena entre a construtora e o estado de Pernambuco, em 2016, o governo estadual “reconheceu perante a concessionária o débito total de R$ 237.593.077,31 (data-base de maio/2016), assumindo dívidas de financiamento contraídas pela empresa junto ao Banco do Nordeste do Brasil S.A.”.
Do total, R$ 189.833.585,74 eram destinados ao BNB, para pagamento mediante depósito em conta vinculada no BNB, no prazo de 15 anos, de juros e amortização do saldo devedor do empréstimo que a Arena de Pernambuco detém junto ao banco, enquanto R$ 47.759.491,57 é o valor destinado ao estádio, para pagamento também mediante depósito em conta vinculada no BNB, em 14 (quatorze) anos.
Após a delação premiada da empreiteira, homologada em 2017, o governo de Pernambuco, já tendo Paulo Câmara como governador, deixou de pagar as parcelas do empréstimo ao Banco do Nordeste.
O governo se amparou em uma série de decisões cautelares monocráticas expedidas por conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. O ex-governador Paulo Câmara é servidor concursado do tribunal.
O Banco do Nordeste fez várias reclamações no Tribunal de Contas contra as decisões cautelares monocráticas, mas não conseguiu revertê-las. O banco chegou a alegar a nulidade de decisões do TCE favoráveis à gestão de Paulo Câmara, mas não conseguiu mudar a suspensão dos pagamentos do empréstimo.
Nos mais recentes julgamentos, o TCE-PE diz que aguarda a conclusão de uma auditoria especial para dar uma posição final.
Por meio de nota, Paulo Câmara disse que, “como presidente do Banco do Nordeste vou defender a instituição em todas as esferas, não havendo qualquer tipo de conflito de interesse no caso em tela”.
“O Estado de Pernambuco nunca tomou empréstimo junto ao Banco do Nordeste para a construção da Arena (o empréstimo foi obtido pela empresa construtora). Por outro lado, os fatos mencionados se referem a uma atual disputa judicial entre o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e o Banco do Nordeste, geradas a partir de decisões cautelares da Corte de Contas”, diz.
ESPECIALISTAS VEEM POSSÍVEL CONFLITO DE INTERESSES
A diretora da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai, aponta que o fato de Paulo Câmara assumir o mesmo banco em meio ao impasse sobre os empréstimos pode gerar conflito de interesses.
Sakai acredita que o ideal é que Paulo Câmara não participe de eventuais decisões do BNB sobre o assunto. “Como um juiz se declara impedido, se você atuou em outra fase do processo, me parece a situação mais adequada porque há interesses antigos e uma participação do outro lado em que isso pode ser contaminado.”
“Implica uma compreensão do outro lado que não cabe a alguém que está assumindo esse cargo. Ele pode estar contaminado por essa visão de quando ocupava outro cargo. Isso fica problemático porque, do ponto de vista do interesse público, a gente não tem certeza se isso prevalecerá em relação à antiga posição dele”, diz Sakai.
Para a integrante da ONG, o cenário ideal no país era que “os processos de nomeações já apontassem que as pessoas que têm conflitos de interesse não pudessem assumir os cargos [respectivos]”.
Para a advogada Clarissa Lima, a Lei de Conflito de Interesses poderia afetar a atuação de Paulo Câmara perante os casos específicos do empréstimo, pois ele poderá ter que cobrar e aplicar penalidades para a dívida.
De acordo com a norma federal, conflito de interesses é “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”.
“Existe um potencial conflito de interesse, mas o BNB tem um sistema de governança, onde o presidente em algumas situações não responde isoladamente, existe um conselho administrativo”, afirma Clarissa.
“Acho que não tem problema a nomeação, mas esse problema específico ele poderia e deve sinalizar um conflito de interesse. E aí o conselho assumiria qualquer decisão ou tratativa perante o Estado de Pernambuco”, acrescenta a advogada.
Segundo a lei, a configuração do conflito de interesses independe da existência de lesão ao patrimônio público, bem como do recebimento de qualquer vantagem ou ganho pelo agente público ou por terceiro. Cabe à Controladoria-Geral da União fiscalizar a eventual ocorrência da prática, conforme a legislação.
Segundo o TCE-PE disse em 2020, a medida cautelar para suspensão dos pagamentos “considerou o fato de que as parcelas devidas pelo Estado de Pernambuco estão sendo retidas de sua conta única pela Caixa Econômica Federal e depositadas em conta judicial, em cumprimento à sentença judicial proferida pela 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco”.
A efetivação de Paulo Câmara no comando do BNB foi viabilizada após decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, de suspender trecho da Lei das Estatais que restringia a participação de políticos em conselho e diretorias das repartições.
Paulo Câmara era um dos atingidos pela lei, pois foi vice-presidente nacional do PSB, partido do qual se desfiliou em janeiro. Apesar da saída do partido, continuaria valendo a quarentena de 36 meses, derrubada pela liminar do magistrado do STF. (Folha de SP)