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No fundo, Arraes sempre sonhou em ser o Getúlio Vargas do Nordeste

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“Minha vida todo mundo pode saber, pois nunca gostei de dinheiro para ter muito dinheiro. Gosto de dinheiro para gastar. Para gastar, todo mundo gosta. Mas, para ter dinheiro… Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre”. Disse Arraes

Por Magno Martins

Na reta final do seu segundo Governo em 1990, o ex-governador Miguel Arraes (PSB), naquela época sem o direito de disputar reeleição, foi fortemente pressionado pelas forças que trabalhavam a candidatura de Jarbas Vasconcelos (PMDB) a governador para tentar o Senado.  O entendimento era que a sua presença na chapa majoritária, além de fortalecer o projeto da permanência das esquerdas no poder, transformava em pó as versões que corriam nos bastidores de que já estava com uma pulga atrás na orelha com Jarbas.

Arraes, na verdade, nunca quis saber do Senado. Certa vez, num tom de brincadeira, me respondeu que senador era coisa de quem estava ficando velho, o que não era o seu caso. E deu uma sonora gargalhada! O velho mito achava que em eleição majoritária o carro-chefe é o candidato a governador e não a senador.

E combatia o personalismo exageradamente em cima da sua pessoa: “Acho que o personalismo em política é um erro. Nós devemos é lutar para que surjam quadros novos. A posição de chefe, em política, é um grave defeito, um grave erro”, dizia. Bom de prosa e bem-humorado quando queria ser agradável, Arraes era um político que também não dava importância a rótulos.

“Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política; o que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à Nação como um todo”, ouvi dele em uma entrevista.

Certa vez, quis saber dele o que pensava sobre ideologia. “Não defendo nem um Estado mínimo nem máximo. Defendo e luto, isso sim, por um Estado que, a partir de suas peculiaridades, cumpra suas finalidades públicas”, respondeu. Mais tarde, li numa revista um desabafo dele sobre as versões que corriam de que teria enriquecido no exílio.

“Minha vida todo mundo pode saber, pois nunca gostei de dinheiro para ter muito dinheiro. Gosto de dinheiro para gastar. Para gastar, todo mundo gosta. Mas, para ter dinheiro… Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre”. Arraes era assim e não entrava em bola dividida como lembra o ex-deputado Maurílio Ferreira Lima, com quem conviveu bastante no exílio.

“Arraes nunca entra em canoa furada, nem segura alça de defunto ruim”. A frase de Maurílio se coaduna perfeitamente com o que ouviu o companheiro José Adalberto Ribeiro, o hoje jornalista bicho-grilo, durante a entrevista bombástica que o ex-governador deu a ele sepultando de vez qualquer esperança de Jarbas de tê-lo na chapa como candidato a senador em 1990.

“Em meio a uma sessão de pigarros, Arraes chamou seu assessor de Imprensa, jornalista Ítalo Rocha, e pediu que me convidasse para trocar figurinhas no restaurante Lobster, que na época funcionava às margens do Rio Capibaribe, na Av. Ruy Barbosa. E lá vamos nós. Além de Ítalo, assessor rochedo, a entrevista foi testemunhada também, discretamente, pelo filósofo escocês Johnnie Walker, o andarilho.

E então, por que não o Senado? O mito temperou a garganta, encarou o filósofo Johnnie Walker e começou a destilar seus argumentos. Disse mais ou menos o seguinte, se não me falha a retentiva: numa eleição majoritária o carro-chefe deve ser o candidato a governador, no caso Jarbas Vasconcelos, e não ele, Arraes, humilde ex-governador. Então, por mais honrosa que fosse a lembrança do seu nome, gostaria que “o doutor Jarbas” (assim ele se referia), comandante da chapa, indicasse outro nome. De sua parte preferia disputar apenas um lugarzinho como deputado federal numa modesta chapinha do seu partido o PSB.

Mesmo sensibilizado com o honroso convite do doutor Jarbas, o mito desistiu da honraria de concorrer ao Senado em confronto com o já senador Marco Maciel. Assim aconteceu. Figura impoluta, o então deputado estadual José Queiroz (PDT) aceitou o sacrifício de ser candidato ao Senado pela chamada Frente Popular em disputa com Marco Maciel, candidato à reeleição.

O doutor Arraes, o filósofo Johnnie Walker, o assessor Ítalo Rocha e José Adalberto Ribeiro degustaram lagostas e outros bichos da fauna política desde o meio-dia até às três da tarde no restaurante Lobster, às margens plácidas do rio das capivaras. No final da semana, um domingo de abril, o editor-chefe do DP, jornalista Lucio Costa, estampou em manchete: “Arraes desiste de ser candidato ao Senado na chapa de Jarbas”.

O gesto de Arraes foi interpretado como um pulo do gato para deixar Jarbas sozinho no meio do boi de fogo. O mito meteu os peitos e montou sua chapinha a deputado federal pelo PSB.        Joaquim Francisco foi eleito governador com 1.238.326 votos contra 1.088.365 votos de Jarbas Vasconcelos.

Maciel foi reeleito para o Senado com 910.802 votos contra 840.866 votos de José Queiroz. Queiroz ficou inconsolável com a derrota e brigou na justiça eleitoral. O fato mais inusitado da campanha de 1990 foi a consagração da chamada chapinha federal liderada pelo mito. Mais votado candidato federal do PSB naquele ano, com 339.158 votos na cabeça, Arraes emplacou as vitórias de Luís Piauhylino, 14.870 preferências populares e mais Renildo Calheiros, com 4.469 votinhos, Álvaro 3.734 pingados nas urnas e Roberto Franca, com uma merreca de 3.256 eleitores.

A chapinha do PSB sacrificou os chamados históricos do PMDB, a exemplo de Cristina Tavares, Egydio Ferreira Lima, Osvaldo Lima Filho e Fernando Lyra e este, diferente dos ressentidos, nunca manifestou mágoas em relação a Arraes.

Será que Francisco Julião tem razão quando disse que Arraes é um produto de circunstâncias históricas e que conseguiu projeção política apenas por causa da sorte? Prefiro ficar com a sua segunda definição sobre o mito.

“No fundo, Arraes sempre sonhou em ser o Getúlio Vargas do Nordeste”.

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