Por Francisco Leali / Estadão*
O Supremo Tribunal Federal está à caça do vazador. Quer saber quem entregou a jornalistas conversas e áudios que expõem o ministro Alexandre de Moraes. O movimento, esperado na burocracia estatal, costuma ocorrer sempre que um assunto que era para ficar na sombra, ganha o sol.
Moraes determinou abertura de inquérito e, como costuma fazer, cuidou de deixar o caso com ele mesmo. Como ex-secretário de Segurança Pública, tem um viés de investigador que vinha servindo para apurar o golpismo que campeou na Praça dos Três Poderes. Na época do escândalo do Mensalão, o ministro Joaquim Barbosa, oriundo do Ministério Público, também incomodou alguns ao incorporar na relatoria do caso no STF seus conhecimentos de ex-procurador da República.
Não se tem notícia de que Barbosa escolheu alvos. Relatou um processo com investigação da Polícia Federal e diretrizes da acusação traçadas pela Procuradoria-Geral da República, como manda o manual. Já Moraes está uns passos adiante do MPF, que parece vir a reboque da toga do magistrado.
O ministro do STF, ao mesmo tempo em que pediu para investigar o vazamento de informações, poderia solicitar instauração de processo interno para averiguar se tudo foi de fato como deve ser. Ainda que esteja convencido de que sua turma não fez nada de errado na produção de relatórios sobre alvos de investigação, o segundo gesto, esperado de um juiz isento, não veio. Daí sobra a pergunta: se a PF vai investigar o vazamento, quem vai apurar o que está declarado nas conversas?
Como já foi dito, o ministro do Supremo Tribunal Federal foge da comparação com o senador e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro. O parlamentar faz o mesmo. O primeiro teve conversas de auxiliares divulgadas pela imprensa e ficou-se sabendo que havia relatórios informais de um perito do Tribunal Superior Eleitoral para subsidiar apuração do STF. O segundo, como sabido, perdeu o púlpito imaculado da República de Curitiba ao ser enredado pelas gravações e mensagens da Vaza Jato em que havia conversas sobre uma relação contaminada entre investigadores e magistrado.
Nos idos de 2019, quando vieram a público as primeiras conversas por Whatsapp capturadas por um hacker, a Força Tarefa tentou dizer que não era possível saber da autenticidade de nada e tudo era fruto de um crime como quem tenta esconder o que disse e fez negando a realidade.
Em 2019, Moro e os procuradores reagiram assim:
“Não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de (as mensagens) terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato”, justificou Moro, então ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
“Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de Operação”, dizia nota da turma da Força Tarefa do Ministério Público Federal.
Passam-se os anos, e novas conversas via Whatsapp se tornam públicas, no caso, de auxiliares de Moraes. Estrago feito, o ministro assim se manifestou:
“Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.
Moro e Moraes sustentam que agiram no estrito cumprimento do dever e como manda o figurino. Na superfície os dois têm razão. O juiz do Paraná inaugurou a prisão de donos de empreiteira e políticos contra quem pesavam provas de corrupção. O ministro do STF apura como um ex-presidente urdiu um golpe de Estado, usando a máquina pública até onde podia.
A questão é o método. Não vale tudo para por o criminoso atrás das grades. A República inventou o Judiciário e assegurou a todos o direito de defesa, a presunção de inocência e o julgamento justo e imparcial. Se o juiz escolhe seus alvos, ainda que com intenção de por ordem na casa, deve fazê-lo esquecendo o fígado.
*Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública