Por Jovem Pan
Há quase uma semana, o simples ato de comprar um pão se tornou uma odisseia para a fisioterapeuta Elisabete Ramos, moradora de Araraquara, no interior de São Paulo. A cidade, que está em lockdown desde o dia 21 de fevereiro por causa da lotação dos leitos de UTI com contaminados pela Covid-19, estendeu a medida até o próximo domingo e, até esta sexta-feira, 26, não estava permitindo a abertura de supermercados, que deveriam funcionar apenas no esquema de delivery. Na quarta e na quinta-feira, redes maiores de atacados que atendiam a cidade já anunciavam o atraso de entregas ou a pausa no recebimento de pedidos por causa da alta demanda daqueles que queriam estocar alimentos. Nos estabelecimentos menores, alguns não conseguiam mais receber de fornecedores, o que criou um efeito dominó no suprimento dos moradores. “Aqui no bairro tentei comprar pão, perguntei se eles vão abrir para receber pedidos e a dona da padaria falou que estava sem estoque porque nem os fornecedores dela podiam trabalhar para fornecer os produtos pra ela produzir”, afirma a moradora do bairro Jardim Universal.
Enquanto alguns mercados menores não têm como fornecer, outros, que não tinham sistema de distribuição para residências em larga escala, tiveram dificuldades logísticas de cumprir com os pedidos. Nos perfis dos supermercados nas redes sociais, é possível ver prazos de entrega que datam de dois ou três dias, assim como locais que suspenderam todos os pedidos porque não tinham capacidade de lidar com o excesso de demanda. Segundo Marcelo Santana, que tem gastado suas reservas financeiras após perder o emprego no início da pandemia, alguns estabelecimentos também estão exigindo uma compra mínima de R$ 50 ou R$ 80, o que impede que os clientes adquiram produtos individuais, como pão e leite, por exemplo.
Alguns lojistas afirmam que essas rusgas no fornecimento dos comércios são fruto do pouco tempo para se preparar quanto ao lockdown. De acordo com relatos, comerciantes foram pegos de surpresa com o fechamento total das lojas físicas e a permissão para fazer apenas delivery. “Se ele [prefeito] tivesse conversado com essas instituições antes, essas instituições tinham se programado, se organizado, falado: ‘poderemos fazer x entregas por dia, seus pedidos vão entrar numa sequência de produção’. Eles pegavam os funcionários lá dentro e separavam para a parte de preparação de alimentos, algo que o pessoal de supermercado está reclamando muito. Isso teria ajudado a dar certo”, afirma o empresário Alexandre Cruz, que desde o início da pandemia se juntou com centenas de empresários da região para articular formas de ajudar o município diante da crise da Covid-19. “Um cliente me ligou e eu levei comida para ele. Ele está acostumado a pedir comida todos os dias e falou: ‘eu não tenho mais o que comer. Eu fiz um pedido, ia abrir quarta, mas cadê vocês?’. Minha esposa cozinhou, desinfectamos tudo e levamos até ele, chorando. Um senhor, sozinho”, afirma Cruz. Já para os menos afortunados, a fome se manifesta nas ruas. “Se você andar no centro de Araraquara, você não reconhece mais a cidade. As pessoas estão no semáforo desesperadas pedindo comida. Isso virou um problema humanitário”, relata Marcelo Santana. A prefeitura da cidade foi procurada pela equipe da Jovem Pan diversas vezes para se posicionar, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.