Por Folha de SP
O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, concedeu 31 retransmissoras de televisão para um mesmo empresário da sua base política no Maranhão. Nenhuma outra emissora no País teve tantos pedidos do mesmo tipo atendidos neste ano, aponta levantamento exclusivo do Estadão. Todos foram aprovados a jato, num período entre cinco a oito meses.
A TV Difusora pertence ao advogado Willer Tomaz de Souza, compadre do senador Weverton Rocha (PDT-MA), aliado de primeira hora do ministro. O responsável no Ministério das Comunicações pela área que dá aval aos pedidos é ex-sócio do dono da TV. Juscelino diz que agiu com base em critérios técnicos e nega ter beneficiado os aliados.
Na prática, as autorizações concedidas pelo ministro aumentam a influência da emissora no Maranhão, ampliam o valor comercial da empresa e permitem maior arrecadação com publicidade. As outorgas são dadas pelo governo sem custos, mas podem ser negociadas em um mercado paralelo por empresários. Dependendo do local onde a retransmissora está instalada pode valer milhões de reais.
O negócio se torna ainda mais interessante para o grupo porque, das 31 solicitações de retransmissão atendidas pelo ministro, 27 são para cidades localizadas na Amazônia Legal. A legislação permite que um canal nesta região não só reproduza os programas da “emissora-mãe”, mas também tenha conteúdos informativos e publicitários locais, o que torna o negócio rentável.
Em outra frente, a ampliação do sinal da Difusora pelo Maranhão pode ajudar o ministro e políticos aliados a fazerem propaganda de suas ações. Em janeiro, o ministro nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi retratado pela emissora como “nosso querido Juscelino Filho”. “A TV Difusora está sempre de portas abertas. Qualquer informação que o Ministério queira divulgar, é só entrar em contato conosco, que nós estamos à disposição”, afirmou o apresentador.
Reportagens do Estadão revelaram que o ministro direcionou dinheiro do orçamento secreto para pavimentar a estrada que passa em frente a fazendas dele e da família em Vitorino Freire (MA) e usou avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para acompanhar um leilão de cavalos em São Paulo.
Após a reportagem revelar a emenda para beneficiar a fazenda, a Polícia Federal deflagrou uma operação para apurar fraudes em licitações, lavagem de dinheiro e desvio de verbas federais. Juscelino Filho é um dos investigados e teve os bens bloqueados. O ministro também devolveu aos cofres públicos o dinheiro recebido irregularmente para ir a leilões de cavalo.
Ministério das Comunicações beneficiou TV maranhense
Durante duas semanas, o Estadão identificou todas as autorizações de serviço de retransmissão de TV, em caráter primário e secundário, concedidas por Juscelino em 2023. As medidas que beneficiaram a emissora do grupo do ministro e de Weverton tramitaram por um período entre cinco a oito meses. Enquanto isso, há pedidos protocolados entre 2019 e 2022 aguardando deliberação, em diferentes fases. O Estadão conversou com advogados, engenheiros e consultores da área. Todos foram unânimes em apontar que a tramitação dos processos é lenta e sujeita a influência política.
Ministro das Comunicações no governo de Fernando Henrique Cardoso, Juarez Quadros afirma que a liberação de outorgas de retransmissão de TV é um ato “altamente discricionário”, apesar da necessidade de cumprimento de requisitos técnicos. Ele considera que as outorgas são influenciadas por aspectos políticos.
“Depende muito da orientação política de plantão. Ou seja, não é uma licitação em que alguém ganha por preço ou avaliação de condições técnicas. É a vontade do governo de plantão de liberar ou não, desde que esteja em conformidade com toda a regulação. O critério não é um critério muito técnico. É um critério mais político”, frisou.
O ex-ministro afirmou também que é comum uma maior quantidade de demandas da região do chefe da pasta. Contudo, pontuou que cabe ao ministério equilibrar as liberações. Segundo ele, quando chefiou o ministério, no início dos anos 2000, essa era uma orientação pessoal de FHC.
“Quando a autoridade é de um determinado estado, a demanda daquele estado se apresenta diante da autoridade de plantão. Mesmo sendo paraense, eu tratava de equilibrar isso para não ficar dando atenção a um determinado grupo, a um determinado estado. A orientação do próprio presidente da República era atender a todos desde que dentro da legislação fosse possível. Evitávamos concentrações”, comentou.
Os 31 municípios para onde a TV Difusora poderá ser retransmitida a partir de portarias do atual ministro somam cerca de 418 mil habitantes. Para efeito comparativo, Juscelino Filho foi eleito deputado federal com 142.419 votos. A candidata à Câmara mais votada pelos maranhenses foi Detinha (PL), com 161.206. O menos votado, Márcio Honaiser (PDT), teve 54.547.
Ex-senador diz que arrendou TV para aliado de Juscelino
A Difusora é a primeira emissora de TV do Maranhão. Fundada na década de 1960, já foi comandada pela família do ex-senador Edison Lobão (MDB-MA). O filho do ex-parlamentar, o ex-senador Edinho Lobão, contou ao Estadão que arrendou a rede para Weverton, em 2016, e depois a vendeu a Willer Tomaz, compadre do parlamentar.
“Depois de alguns eventos que ocorreram em São Luís, ele (Weverton) perdeu a capacidade de arrendamento e a emissora acabou sendo vendida para um amigo dele (Willer Tomaz)”, relatou.