O anúncio feito nesta quinta-feira (28) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), de que o governo editará um medida provisória (MP) para alterar a desoneração da folha de pagamento em alguns setores da economia foi avaliado por parlamentares como contrário à vontade do Congresso Nacional. Isso porque o Legislativo havia aprovado ainda neste mês um projeto de lei prorrogando até dezembro de 2027 a desoneração em 17 setores da indústria e dos serviços.
A nova regra anunciada nesta quinta pelo governo pode começar a valer a partir de 1º de janeiro e, na prática, voltará a onerar a folha de pagamento e aumentará os custos das empresas. A edição da medida provisória trará insegurança jurídica para o ambiente de negócios do país, já que empresários podem ter dúvidas sobre qual norma adotar.
A MP contrapõe o Projeto de Lei 334/2, sancionado nesta quinta-feira (28), que prorrogou a desoneração da folha para 17 setores até 2027. A iniciativa havia sido integralmente vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o Congresso derrubou o veto presidencial no dia 14 de dezembro.
Autor do projeto de lei que garantiu a prorrogação da desoneração, o senador Efraim Filho afirmou que a medida provisória anunciada por Haddad sofrerá resistências desde a largada tanto na Câmara quanto no Senado. “A edição da MP contraria uma decisão tomada por ampla maioria pelo Congresso Nacional”.
A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que foi redatora na Câmara do projeto de lei de que desonera a folha de pagamentos, também vê a medida como contrária à vontade dos brasileiros. “A edição dessa MP pelo governo está contrariando a vontade do Congresso, que representa a totalidade dos brasileiros, e ainda está causando uma enorme insegurança jurídica”.
Medida provisória pode substituir lei aprovada pelo Congresso
Conforme explica Cristiano Noronha, da Arko Advice, empresa de análise de conjuntura e estratégia de relações governamentais, a desoneração atual acabaria no dia 31 de dezembro, e o projeto de lei 334/2 restabelece a regra a partir do dia 1º de janeiro.
“Só que pelo nosso ordenamento jurídico, uma lei posterior substitui uma lei anterior, e uma medida provisória tem poder de lei. Então, ela pode eventualmente revogar essa lei que foi promulgada pelo Congresso Nacional, e aí o que vai estar em vigor é a medida provisória”, afirma.
Ele ainda ressalta que o Congresso Nacional só volta às atividades parlamentares no dia 1º de fevereiro. Ou seja, se a medida provisória for publicada ainda esse ano, ela já estará em vigor ao longo de todo o mês de janeiro.
A partir de 1º de fevereiro, a medida precisará ser apreciada pelo Congresso. Inicialmente, as MPs têm um prazo de vigência de 60 dias após sua publicação no diário oficial, período que é automaticamente prorrogado caso não tenham sua votação concluída na Câmara e no Senado.
Se o Congresso não iniciar os trâmites para avaliação 45 dias após a publicação da MP, ela entra em caráter de urgência e trava toda a pauta até ser votada. Desse modo, se for publicada no dia 1º de janeiro, a Câmara e o Senado terão o prazo aproximado de 15 dias para iniciar sua apreciação após o retorno do recesso, a fim de evitar o travamento da pauta.
Resistência no Congresso
Any Ortiz afirma que a iniciativa sofrerá resistência não só dos setores econômicos, “mas também do Congresso Nacional, que se vê desrespeitado diante de uma decisão quase unânime” – referindo-se à ampla margem de votação para a aprovação do projeto de lei que prorroga a desoneração.
Da mesma forma, o deputado Marcel Van Hattem (Novo – RS) afirmou que irá trabalhar na Câmara dos Deputados para derrubar a medida. Ele avalia que a MP é mais uma forma que o governo está buscando para tentar tampar o rombo das contas públicas, que chegou a 1,08 % do PIB nos 12 meses encerrados em outubro, segundo dados do Banco Central. Segundo Van Hattem, o governo está repassando o custo para a iniciativa privada.
Uma forma de o governo evitar a resistência de congressistas seria enviar um projeto de lei tratando da questão. A medida, inclusive, foi aventada por Efraim filho. “Um projeto de lei com essas propostas de alteração, dando tempo e prazo para o debate das ideias, esse sim seria um sinal de que o governo quer o diálogo com o Congresso Nacional”.
O senador ainda reforçou que a medida não contribui para a segurança jurídica do país. “[A medida] traz insegurança jurídica para o empreendedor, que no dia 01/01 ficará sem saber qual regra seguir, se a da MP ou da lei aprovada pelo Congresso e hoje publicada”.
A deputada Any Ortiz endossa que, faltando quatro dias para o início do ano, os empregadores ficarão sem saber ao certo qual regra seguir. “Essas ações do governo prejudicam ainda mais nosso ambiente de negócios e colocam em risco empregos e investimentos”.
Noronha avalia que a medida realmente traz insegurança jurídica para o ambiente de negócios brasileiro, já que havia um benefício autorizado pelo Congresso Nacional e o governo, na última semana do ano, anuncia uma nova regra.
Além de ter que entender o novo regramento, as empresas podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso sintam que ela é mais prejudicial que a aprovada pelo Congresso.
A imprevisibilidade do posicionamento do Congresso e do STF em relação à MP, aumentam a insegurança jurídica no país. Quem sofre, mais uma vez, é o ambiente de negócios do país, “uma coisa muito complexa e de difícil previsibilidade, o que é muito ruim para o planejamento empresarial”, afirma o analista.