Os militares da ativa decidiram não intervir nas instituições da República após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A cúpula das Forças Armadas segurou o ímpeto de oficiais, principalmente da reserva, que equivocadamente queriam uma intervenção militar baseada no artigo 147 da Constituição. Mas isso não foi reconhecido pelo governo Lula. A substituição do recém-nomeado comandante do Exército, Júlio César de Arruda, tornou muito difícil conter os ânimos e lidar com o descontentamento na caserna.
Os militares temem um possível processo de interferência política nas Forças Armadas, semelhante ao processo que ocorreu na Venezuela. Lá, o chavismo escolheu oficiais para a cúpula das Forças Armadas em troca de apoio armado à perpetuação indefinida do regime no poder. Esse não é o caso do substituto de Arruda, mas a troca precoce do comandante do Exército abriu a porta para temores sobre o futuro das Forças Armadas sob Lula.
A queda do comandante do Exército foi interpretada por militares como o resultado de uma guerra de narrativas. Enquanto os comandantes militares vinham assegurando a Lula que não há politização (pró-Jair Bolsonaro) na caserna, assessores do presidente criaram a imagem distorcida de que as Forças Armadas seriam uma ameaça para o governo.
Lula substituiu Arruda devido a uma suposta crise de confiança após os acampamentos e os atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.
O ministro da Defesa José Múcio Monteiro afirmou que houve uma “fratura num nível de confiança” para justificar a exoneração. Múcio, que vem sofrendo críticas de alas mais radicais do PT, disse que a substituição foi um investimento para aproximar as Forças Armadas do presidente Lula.
Mas o efeito parece ter sido inverso. A tropa foi informada da demissão de seu comandante no início da tarde de sábado por um boletim jornalístico na TV (o que é considerado no mínimo deselegante). Arruda estava no cargo há menos de um mês. A tentativa do presidente de mostrar autoridade pegou muito mal e colocou em risco o processo de pacificação dos ânimos nos quartéis.
Assim como uma grande parcela da população, individualmente, muitos militares estão indignados com a lamentável normalização da candidatura de Lula, com os inquéritos ilegais e abusivos do Supremo Tribunal Federal e com a omissão do Congresso.
Institucionalmente, porém, as Forças Armadas nunca deixaram de agir como órgãos de Estado e reprovaram os atos de vandalismo praticados no dia 8 de janeiro.
Mesmo as motivações mais nobres não podem servir de justificativa para vandalismo ou interrupção do funcionamento das instituições.
Narrativa contra Arruda
Na semana passada, “aliados do Planalto” teriam dito a Lula que o general Arruda teria sido conivente com manifestantes que participavam de um acampamento em frente ao quartel general do Exército em Brasília, segundo o colunista Paulo Cappelli, do portal Metrópoles.
Esses assessores afirmaram que Arruda teria dado ordens para que suas tropas impedissem a polícia do Distrito Federal de prender manifestantes no acampamento após os atos de vandalismo do dia 8.
Mas essa era uma versão distorcida dos fatos. Militares disseram sob anonimato à coluna Jogos de Guerra que o Exército impediu que as prisões fossem realizadas no período noturno especificamente. O objetivo era evitar um confronto violento entre policiais e manifestantes. Havia mulheres e crianças no grupo. Pesou ainda na decisão o fato de que o comportamento de uma multidão é sempre imprevisível.
A operação policial aconteceu em uma área militar, a Praça dos Cristais. Por isso, o Exército tinha não só jurisdição, mas o dever de garantir a integridade física de todos os envolvidos. As detenções acabaram ocorrendo pela manhã do dia 9 de janeiro, pacificamente e com a colaboração do Exército.
Após os atos de vandalismo, a ordem do STF para o desmonte do acampamento em Brasília foi perfeitamente compreensível, correta e necessária. Mas a classificação dos manifestantes como “terroristas” não corresponde à realidade e só colabora para justificar uma repressão mais ampla contra qualquer um que manifeste seu desagrado com Lula ou com o Supremo.
Além disso, a “criminalização no atacado” feita pelo STF não se sustenta tecnicamente e foge ao bom senso.
Os rumores criados pelos assessores de Lula pareciam ter se dissipado. Na sexta-feira (20), um dia antes da demissão, o presidente se reuniu com Múcio, Arruda e com os comandantes da Marinha e da Aeronáutica. Após a reunião, Múcio disse em entrevista que não havia ligação entre o vandalismo e as Forças Armadas.
Lula havia dito dias depois dos eventos da Praça dos Três Poderes que suspeitava que policiais e militares haviam aberto as portas do Palácio do Planalto para a entrada dos manifestantes. Uma das hipóteses para a demissão de Arruda é que Lula não teria ficado satisfeito com as medidas do Exército em relação às suas suspeitas pessoais. Outra hipótese seria uma suposta recusa de Arruda de demitir um militar a pedido do PT. (Gazeta do Povo)