Primeiro semestre da terceira gestão do petista também é marcado por ‘trombadas’ entre ministros e aliados; desafio é criar base sólida no Congresso
O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente da Presidência da República completa os primeiros seis meses marcado, sobretudo, por intensas pressões. De ministros “na mira” de deputados a pedidos de substituições nas principais pastas, o Palácio do Planalto sofreu desde o início do ano uma série de derrotas ou entraves significativos, com rachas entre partidos que detêm ministérios, polêmicas envolvendo indicados, medidas provisórias paralisadas e apenas uma aprovação relevante. No caso, o arcabouço fiscal, considerado a glória única do governo nos últimos 180 dias. A primeira dor de cabeça de Lula aconteceu logo no primeiro mês, com a ministra Daniela Carneiro (União-RJ), chefe da pasta do Turismo, se envolvendo em denúncias por suposto envolvimento com a milícia do Rio de Janeiro. Carneiro, também conhecida como Daniela do Waguinho, por ser esposa do prefeito de Belford Roxo, Waguinho, se tornou alvo de críticas por membros do próprio partido, que se sentem “não representados” e pedem sua substituição pelo deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de primeira hora de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
A falta de prestígio de Daniela Carneiro causou uma cisão na sigla, dando início a um bate-cabeça que perdura até os dias atuais e prejudica o Palácio do Planalto nas principais votações. No Legislativo, além da crise gerada pelo União Brasil, a Câmara também protagonizou as principais derrotas de Luiz Inácio nos últimos seis meses. Um destaque foi o adiamento do PL das Fake News por falta de votos e a aprovação, a toque de caixa, do projeto de decreto legislativo (PDL) que derrubou os decretos do Lula que alteraram as regras do Marco Legal do Saneamento Básico – tudo na mesma semana. Dias depois, os deputados também aprovaram o Marco Temporal das Terras Indígenas e a MP dos Ministérios, chancelada às vésperas de caducar e que impôs mudanças significativas na organização dos ministérios, o que desagradou ministros e deixou a principal medida provisória com gosto de derrota. Ainda por parte da Legislativo, o governo foi bombardeado com 206 convocações de ministros, posteriormente transformadas em convites, para esclarecimentos aos deputados. Em seis meses, 28 dos 37 ministros já foram a audiências públicas. “Nunca tivemos a presença de tantos ministros”, admitiu o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara.
Com derrotas importantes e matérias do governo adiadas, a Casa chefiada por Arthur Lira também escancarou as dificuldades do Executivo para formação de uma base pró-Lula, bem como os problemas de interlocução entre Executivo e Legislativo. O cenário catastrófico, além de expor o grupo de Lula, também aumentou a pressão sobre ministros, que chegaram a ser cobrados publicamente. Em discurso na reinauguração do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, Lula fez uma cobrança a Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais. “Espero que ele tenha a capacidade de organizar e de articular que ele teve no conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí vai facilitar a minha vida”, afirmou o presidente. Entretanto, na prática, a “bronca” não foi suficiente para destravar pautas do governo e o próprio Lula teve que entrar nas negociações, marcadas por ligações diretas ao presidente da Câmara e seguidos encontros entre ambos. A última reunião aconteceu em 16 de junho, com Lula sendo cobrado para que seus auxiliares melhorem o trato com o Congresso Nacional, seja acelerando as nomeações represadas em cargos federais ou melhorando o diálogo.
O bate-cabeça não se limitou a lideranças e aliados de Lula. Entre ministros também houve troca de farpas, bem como entre caciques do Partido dos Trabalhadores (PT). Um dos primeiros momentos envolveu os ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio Monteiro (Defesa). Isso porque eles protagonizaram diferentes declarações a respeito das manifestações e acampamentos contra o resultado das eleições presidenciais. Outro desencontro envolveu Rui Costa (Casa Civil) e Carlos Lupi a respeito da revogação da Reforma da Previdência, quando Costa desautorizou publicamente o colega a descartar qualquer mudança, reforçando que a decisão caberia “aquele que teve mais de 60 milhões de votos”, em mais uma sinalização de que, sempre que houver uma bola dividida, caberá ao presidente da República arbitrar e dar a palavra final. Mais recentemente, o mal estar foi causado por Alexandre Padilha, que comemorou a aprovação da MP dos Ministérios, enquanto a Marina Silva lamentava a desidratação do Meio Ambiente. Outro momento de tensão foi marcado pelas críticas de aliados petistas ao texto do arcabouço fiscal, apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). O bombardeio de petistas contra o chefe da equipe econômica contrasta com o prestígio de Haddad entre as principais lideranças do Congresso. Como a Jovem Pan mostrou, no momento de maior pressão sobre a articulação política do governo Lula 3, o ex-prefeito de São Paulo ganhou um importante – e até inesperado – voto de confiança da cúpula do Legislativo.
A falha de comunicação do governo não se limitou às relações entre lideranças, ministros e parlamentares, também sendo percebida por eleitores. Em entrevista ao site da Jovem Pan, o cientista político Paulo Niccoli Ramirez citou como exemplo da inabilidade de comunicação da atual gestão o fracasso da live semanal promovida por Lula desde o início do mês. A produção da transmissão nas redes sociais foi uma estratégia do governo para ocupar as redes sociais e melhorar a divulgação das ações do governo. Na prática, no entanto, os números alcançados são pouco expressivos. No total, a primeira transmissão de Lula chegou a cerca de 6 mil visualizações, enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) alcançava mais de meio milhão de espectadores. “O PT sempre teve um problema de comunicação muito forte dentro das mídias e meios de comunicação tradicionais, isso acabam abrindo passagens para uma critica mais ferrenha. Mesmo a live de Lula, foi um fracasso em termos de audiência, de cortes e assuntos. Parecia mais propaganda do que um depoimento espontâneo. Neste ponto de vista, o próprio Bolsonaro saia melhor, com uma organização mais precária, isso dava uma expressão mais legítima”, avalia Paulo Niccoli Ramirez.
Minirreforma ministerial
A mais recente preocupação do Executivo ocorre pela onda de cobranças e pressões para que Lula faça uma reforma ministerial de seu governo. Pressionado por aliados do presidente da Câmara, o petista se vê no centro de um velho dilema: ceder para governar ou resistir às pressões e sofrer as consequências? A decisão permeia atender a velha política e distribuir emendas, cargos de segundo e terceiro escadão nas estatais e vagas nos ministérios em troca de apoio político, ou enfrentar mais seis meses de resistências no Parlamento, com a certeza de novas derrotas. “Lula tem literalmente feito acordos com o Centrão de Arthur lira, de modo que há um predomínio da velha política e, consequentemente, do comando do Centrão na vida do Congresso Nacional, o que mostra que Arthur Lira tem muito mais poder que o próprio Lula”, afirma Paulo Niccoli Ramirez.
Do ponto de vista político, a avaliação é que, seis meses após o início do governo, o cenário ainda permanece pouco auspicioso para Lula. Ramirez relembra que, ainda que tenha vencido as eleições presidenciais em outubro de 2022, o presidente da República deve continuar encarando resistências no conservador e antipetista Congresso Nacional. Entre as principais dificuldades está a CPI do MST, que tem sido um “holofote” para as eleições municipais de 2024; a CPMI do 8 de Janeiro, com a oitiva do general Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula; e a polêmica da ainda elevada taxa de juros. “Campos Neto, que preside o Banco Central, é um fantasma de Bolsonaro na gestão da taxa de juros no governo Lula”, acrescenta o cientista político. Ele projeta que a situação pode melhorar a partir das eleições de 2024, quando será possível aferir se o petismo vai conseguir “neutralizar” o discurso bolsonarista e facilitar o governo Lula.