Justiça libera teor do depoimento do ex-presidente feito à Polícia Federal após condução coercitiva no último dia 4 de fevereiro.
Agência O Globo
CURITIBA – Em depoimento à Polícia Federal no último dia 4, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Lula negou ter procurado qualquer empresa envolvida na Lava-Jato para pedir doações ao Instituto Lula, mas admitiu que funcionários do instituto, como Paulo Okamotto e Clara Ant, podem ter pedido dinheiro “a todas” as empresas. O ex-presidente disse que será candidato à Presidência da República em 2018. Ao ser perguntado se tinha conhecimento que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto recebia valores ilegais, Lula respondeu que não e afirmou que, desde o mensalão, “em que as pessoas são condenadas antes de serem julgadas”. Na opinião de Lula, estão tentando fazer o mesmo com ele.
O delegado da PF perguntou:
– Tive oportunidade de ouvir alguns desses colaboradores ou delatores, não importa o nome que se dê na situação, e muitos deles realmente colocaram e atribuíram uma determinada responsabilidade ao João Vaccari Neto pra recebimento de valores decorrentes de fechamento de contrato de percentual. Isso é assunto da justiça, vai ser provado com as provas que tem. A minha pergunta para o senhor: o senhor tinha conhecimento disso, nunca teve conhecimento disso, acredita que isso é possível sem o conhecimento do senhor?
O ex-presidente, após citar o caso de petistas condenados no mensalão, responde:
– Então o José Dirceu e outros companheiros estavam condenados mesmo que fossem liberados, estavam condenados. Não poderiam entrar num restaurante, não poderiam sair na rua, não poderiam ir pra lugar nenhum. É o que estão tentando fazer comigo agora, só que o que estão tentando fazer comigo vai fazer com que eu mude de posição, eu que estou velhinho, estava querendo descansar, vou ser candidato à Presidência em 2018 porque acho que muita gente que fez desaforo pra mim, vai aguentar desaforo daqui pra frente. Vão ter que ter coragem de me tornar inelegível. Porque, é o seguinte, eu tenho uma história de vida, eu tenho uma história de vida, a minha mulher com 11 anos de idade já trabalhava de empregada doméstica e minha mulher prestar um depoimento sobre uma porra de um apartamento que não é nosso?! Manda a mulher do procurador vir prestar depoimento, a mãe dele. Por quê que vai minha mulher?
O delegado insistiu na pergunta sobre o Vaccari:
– Eu ouvi uma grande quantidade de colaboradores e fui ouvir João Vaccari. Quando gostaria de pedir que o João Vaccari me explicasse sobre essas situações ele falou: “Não vou falar nada” E eu respeito isso, de verdade. Eu acho mesmo que o Estado é que tem que provar, eu concordo com isso. Se da parte do senhor, ex-presidente, falou: “Olha, eu não tinha conhecimento e não acredito que ele tinha”, eu vou respeitar essa posição, não é a tese que, pessoalmente, acredito, mas é a tese que eu vou respeitar.
Lula, então, responde:
– Está ótimo. Eu espero que quando terminar isso aqui alguém peça desculpas. Alguém fale: “Desculpa, pelo amor de Deus, foi um engano”.
Lula disse ainda, quando indagado sobre doações de campanha, que “um Presidente da República que se preze não discute dinheiro de campanha, se ele quiser ser presidente de fato e de direito ele não discute dinheiro de campanha”. Lula também foi questionado sobre a suposta compra de um tríplex do Guarujá, que recebeu reformas da OAS, uma das empreiteiras investigadas pela operação. Ele afirmou que se trata de uma “sacanagem homérica” inventada pela Polícia Federal e pela imprensa.
O petista foi levado a depor coercitivamente na 24ª fase da Operação Lava-Jato. A força-tarefa suspeita que Lula era um dos beneficiários dos crimes na Petrobras. Leia aqui a íntegra do depoimento.
O delegado da PF indagou no depoimento:
– O senhor chegou a procurar alguma empresa para pedir dinheiro para esses projetos no Instituto Lula?
O ex-presidente respondeu:
– Não, porque não faz parte da minha vida política, ou seja, eu desde que estava no sindicato eu tomei uma decisão: eu não posso pedir nada a ninguém porque eu ficaria vulnerável diante das pessoas. Mas, o ex-presidente não descartou que assessores seus possam ter mantido alguma relação com essas empresas. Lula disse isso na continuidade do questionamento sobre a relação entre o instituto e as empresas.
O delegado questionou:
– Era só o diretor financeiro que pedia ou mais alguém fazia esse tipo de pedido?
Lula respondeu:
– Deve ter mais gente que pedia, aí teria que perguntar para quem conhece.
O delegado continuou:
– Para quem o conhece?
O petista diz:
– Deveria perguntar para quem conhece.
O delegado indaga:
– Que seriam os diretores financeiros?
O ex-presidente responde:
– O Paulo Okamotto, pode perguntar para o Paulo quem é que pedia.
Lula afirmou que não conhece “ninguém que procura ninguém espontaneamente para dar dinheiro” e que, se precisa de recursos para fazer um projeto, “tem que pedir”. No depoimento, colhido no Aeroporto de Congonhas, o ex-presidente ficou irritado, ao ser questionado sobre as doações ao Instituto Lula.
O delegado da PF perguntou:
– É comum as empresas procurarem espontaneamente o Instituto Lula para oferecer doações?
Lula respondeu que não:
– Aliás, eu não conheço ninguém que procura ninguém espontaneamente para dar dinheiro, nem o dízimo da igreja é espontâneo, se o padre ou o pastor não pedir, meu caro, o cristão vai embora, vira as costas e não dá o dinheiro, então dinheiro você tem que pedir, você tem que convencer as pessoas do projeto que você vai fazer, das coisas que você vai fazer. Lamentavelmente, no Brasil ainda não é uma coisa normal, mas no mundo desenvolvido isso já é uma coisa normal, ou seja, não é nem vergonha, nem crime, alguém dar dinheiro para uma fundação, aqui no Brasil a mediocridade ainda transforma tudo em coisas equivocadas.
Por mais de uma vez, o ex-presidente respondeu rispidamente as perguntas dos agentes da Polícia Federal. Um dos momentos que mais incomodou o ex-presidente foi quando questionado sobre quem era o responsável dentro do Instituto Lula por fazer o recolhimento das doações.
A Polícia Federal questiona:
– Quem tem essa função de pedir dinheiro em nome do instituto?
Lula responde:
– A direção do instituto, isso é feito em qualquer instituto, isso vale…
O delegado da PF pergunta:
– Alguma pessoa em específico?
O ex-presidente afirma:
– Isso vale, não, deve ser o tesoureiro e o diretor financeiro do instituto. Delegado da Polícia Federal: Quem são? Declarante: Hoje eu acho que é o Celso Marcondes, mas isso funciona como qualquer instituto, do Fernando Henrique Cardoso, do Sarney, do Bill Gates, do Bill Clinton, do Kofi Annan
Mais adiante, Lula continua a responder a perguntas sobre o instituto.
Delegado da Polícia Federal: Então é possível, por exemplo, que o próprio Paulo Okamotto ou a Clara Ant tenham pedido doações a qualquer empresa, entre elas a Camargo Correa?
Lula: É possível, é possível.
Delegado da Polícia Federal: Certo. O mesmo se aplica à OAS, ou seja…
Lula: A todas.
Delegado da Polícia Federal: Odebrecht?
Lula: A todas.
Delegado da Polícia Federal: Andrade Gutierrez?
Lula: Aos bancos…
Delegado da Polícia Federal: À UTC?
Lula: Todas, todas, todas.
Delegado da Polícia Federal: Queiroz Galvão…
Lula: Todas.
Delegado da Polícia Federal: Enfim, todas essas fizeram doações ao Instituto Lula…
Lula: Não sei se todas fizeram.
Delegado da Polícia Federal: Não sabe?
Lula: Não sei, querido.
Delegado da Polícia Federal: Certo.
Lula: Você perguntou da, da…
Delegado da Polícia Federal: Camargo Correa…
Lula: Da Camargo Correa, eu disse que a imprensa já deu que a Camargo Correa tinha doado dinheiro para o instituto e disse que ela doou metade do que doou para o Fernando Henrique Cardoso, o restante…
Delegado da Polícia Federal: O senhor saberia dizer quem na Camargo Correa seria o interlocutor da Camargo Correa para fazer doação, ou da OAS?
Lula: Não sei. Não sei.
Delegado da Polícia Federal: Alguém da OAS, alguém da Andrade Gutierrez, que a gente possa verificar porque passou por essa pessoa?
Lula: Eu já disse para você que a mim não interessa discutir esses assuntos, não me interessa
Lula interrompeu o interrogatório para ir tomar café e chegou a bater com os papéis à mesa de acordo com relatos de agentes que participaram do depoimento. (*enviado especial)