O desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Região Federal da 1ª Região (TRF-1), autorizou a publicação de uma resolução abortista do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), nesta terça-feira (7). A norma é controversa ao dispensar a autorização dos pais ou responsáveis para a realização de abortos em crianças e adolescentes, o que contraria o artigo 128 do Código Penal.
A decisão foi celebrada pelos integrantes do Conanda. A Gazeta do Povo apurou que, mesmo contrária ao texto, a secretária da Criança e do Adolescente, Maria do Pilar Lacerda, do Ministério dos Direitos Humanos do governo Lula, determinou a publicação imediata da resolução, para que entre em vigor no mesmo dia.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que havia acionado a Justiça contra a resolução, afirmou, por meio de sua assessoria, que pretende recorrer da decisão. O juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio chegou a suspender liminarmente a publicação da resolução.
Parecer jurídico do próprio governo apontava ilegalidades na resolução pró-aborto
A decisão do desembargador se deu em um agravo de instrumento interposto pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), associação de movimentos de esquerda. Na petição, o Gajop contestou os argumentos apresentados pela senadora de que o processo de votação da proposta estaria eivado de ilegalidades.
O desembargador acatou a reclamação, considerando um equívoco a suspensão da resolução.
“Percebo que agiu corretamente o Conselho multicitado quando regulou, dentro de suas atribuições previstas em direito positivo, a matéria legal, estabelecendo os pressupostos necessários à correta interrupção da gravidez quando fruto de abominável violência”, afirmou o desembargador Ney Bello em sua decisão.
No entanto, durante a reunião de apreciação da proposta, membros do governo mencionaram um parecer jurídico que apontava diversas ilegalidades no texto. Segundo o parecer, elaborado pela Consultoria Jurídica do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a resolução possuía inovações que só poderiam ser alteradas por meio de uma lei aprovada pelo Poder Legislativo. Entre os problemas citados, estariam a criação de obrigações para o Estado e municípios, criação de despesas e estabelecimento de atribuições e normas éticas para profissionais de saúde.
O documento vinha sendo debatido durante os últimos meses, enfrentando resistência de membros do governo Lula devido ao desgaste político que poderia ser gerado. Durante a reunião em que a norma foi aprovada, o conselheiro Amarildo Baesse, que representa a Casa Civil da Presidência, teve seu pedido de vista negado pelos conselheiros da sociedade civil que integram o Conanda. A medida cautelar apresentada pela senadora Damares Alves alegava que a negativa violou o regimento interno do Conselho e tornou a aprovação ilegítima.
A resolução foi aprovada por 15 votos favoráveis, todos provenientes de representantes de ONGs e movimentos sociais no conselho. Os 13 votos contrários foram de conselheiros indicados pelo governo federal. As três instituições religiosas que possuem representantes no Conanda não compareceram à reunião. São elas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Associação Cristã de Moços e da Inspetoria São João Bosco.
Resolução do Conanda prevê aborto até 9 meses, sem conhecimento dos pais e exclui orientação sobre adoção
Na resolução do Conanda, integrantes da sociedade civil decidiram retirar da proposta o oferecimento de informações e orientações à adolescente grávida sobre a possibilidade de manutenção da gravidez para entregar o recém-nascido à adoção. Trata-se de uma solução que preserva o direito à vida do feto e é defendida pelos movimentos antiaborto.
O texto prevê ainda que os serviços de atendimento de crianças e adolescentes levem as meninas grávidas rapidamente a algum hospital que realize o aborto. Nesse momento, elas devem ser informadas da permissão do aborto, com sigilo sobre sua identidade, sem necessidade de boletim de ocorrência relatando a violência e tampouco autorização judicial para a realização do procedimento.
Pelo texto da resolução, no momento do atendimento, a adolescente grávida poderá optar por não chamar os pais ou responsáveis para participar da decisão. Se eles aparecerem e discordarem da escolha da menina, o caso será levado à Justiça. Nesses casos, a resolução determina que a opção da gestante seja priorizada.
Por fim, a resolução também prevê a realização do aborto em qualquer fase da gestação, o que incluiria, portanto, a realização do procedimento até o limite dos 9 meses da gravidez. Nesses casos de gestação avançada, é utilizada técnica conhecida como assistolia, em que, antes da retirada do feto, injeta-se nele, sem anestesia, substância que provoca uma parada cardíaca.
Neste ano, o Conselho Federal de Medicina tentou impedir a realização do aborto nesses casos, sob o argumento de que, após 22 semanas de gestação, o feto já pode sobreviver fora do útero se tiver o tratamento adequado para um bebê pré-maturo.
Em maio, a pedido do PSOL, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a resolução do CFM, sob o argumento de que a lei não traz um limite temporal de 22 semanas de gestação nas hipóteses em que o aborto não é punido. Com isso, o aborto até os 9 meses acabou viabilizado por uma decisão judicial monocrática. Agora, virou norma na resolução do Conanda. (Gazeta do Povo)