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Juristas apontam inconsistências no pedido de indiciamento de Bolsonaro pela CPMI do 8/1

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Foto: reprodução

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como autor intelectual da tentativa de golpe e de diversos militares, como o ex-candidato a vice-presidente Walter Souza Braga Netto (PL). Segundo o parecer elaborado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) aprovado pelo colegiado, “os fatos mostram que Bolsonaro foi autor, seja intelectual, seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições”, culminando na invasão e vandalismo das sedes dos Três Poderes.

Apesar de ter sido solicitada a investigação de Bolsonaro e outras 60 pessoas, o relatório não implica automaticamente no indiciamento de nenhum deles. Em vez disso, o relatório funciona como uma recomendação ao Ministério Público Federal (MPF) e à Advocacia-Geral da União (AGU).

Juristas consultados pela Gazeta do Povo apontam que o parecer não assegura a abertura de novas investigações, seja devido à falta de provas e consistência das alegações ou porque repete as ações já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), MPF e Polícia Federal.

Curiosamente, a relatora baseia os seus pedidos de indiciamento na teoria do “domínio do fato”, a mesma usada para condenar réus no escândalo do Mensalão. Ela considera a cumplicidade mesmo na ausência de intenção comprovada de cometer o crime. Em nota divulgada na terça-feira (17), a defesa de Bolsonaro manifestou indignação com o pedido de indiciamento dele no relatório final da CPMI de 8 de janeiro. “A proposta de indiciamento – para além de ausência de elementos que conectem o ex-presidente com os atos investigados – mostra-se parcial, tendenciosa e totalmente pavimentada por viés político e não jurídico”, ressaltou.

Relatório frágil da CPMI dificulta abertura de processos pelo MPF

André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão e direito digital, acredita que, mesmo sendo “bastante genérico e impreciso”, o relatório da CPMI poderá impactar os muitos processos e investigações que Bolsonaro responde atualmente. “Até agora, investigava-se a eventual participação intelectual de Bolsonaro nos atos do 8 de janeiro. A conclusão do parecer da comissão aponta, contudo, para a responsabilidade direta do ex-presidente, por meio da instrumentalização de autoridades e de órgãos de Estado”, disse. O advogado entende ser o documento “juridicamente frágil”, mas, “por se tratar de um caso político”, será levado em consideração pela Procuradoria Geral da República (PGR) para novos indiciamentos.

Durante o debate que antecedeu a aprovação do relatório pela maioria dos membros da CPMI, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) fez duras críticas ao trabalho da relatora Eliziane Gama, apontando inconsistências e erros graves de natureza jurídica. “Este relatório não vai prosperar. Assim que for levado ao Ministério Público Federal (MPF), seja rejeitado em razão de falhas que estão evidentes, com dados imprecisos e incorretos e falta de indícios sólidos para formular suspeitas”, disse.

Na mesma direção de prever uma impossibilidade de o relatório resultar em novos indiciamentos, o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), também informou que irá representar contra a relatora no MPF por parcialidade e vícios processuais, além de condenar o seu “parecer imprestável”. Ramagem foi o coordenador do grupo de 16 deputados e senadores da oposição que apresentaram um relatório em separado, em oposição ao oficial da comissão, depois agregado a outro independente, do senador Izalci Lucas (PSDB-DF).

CPMI tenta associar vandalismo a uma organização criminosa
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, os indiciamentos propostos pela CPMI só renderão a abertura de novo processo contra Bolsonaro se “o objeto de uma suposta e futura ação seja diferente dos que já estão sob investigação”. De toda forma, também para que isso venha a ocorrer é preciso que se tenha “fortes indícios de autoria e de materialidade de cometimento de um ato ilícito, seja de natureza penal, civil ou eleitoral”. Neste ponto, a jurista reconhece que a relatora Eliziane Gama pode ter se valido do conceito jurídico do “domínio do fato” como uma estratégia válida para driblar a necessidade da tal “materialidade”. “Trata-se de uma teoria bastante controvertida. A despeito desse tipo de abordagem é necessário que se reúnam os mínimos elementos de prova para se poder apresentar uma denúncia perante o Ministério Público”, ressaltou.

A relatora usa dessa teoria para justificar o indiciamento de Bolsonaro e de outros, embora não tenham provavelmente conseguido indícios concretos para tal, partindo do argumento de que operaram como organização criminosa, algo muito complexo e razão pela qual mandantes são indiciados como autores à exemplo dos partícipes ou executores.

“De toda forma, é bom frisar que o relatório da CPMI só tem a capacidade de sugerir a prática de atos ilícitos.  Quem vai investigar e indiciar, se for o caso, é o Ministério Público”, disse.

As acusações feitas pela relatora resgatam os mesmos artigos do Código Penal pelos quais os réus do inquérito do 8 de janeiro têm sido condenados, tais como associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. Para aplicar a tese do domínio do fato, a relatora está considerando “associação criminosa” como “organização criminosa”, buscando a condenação com prisão e pagamento de multas, caso o MPF apresente denúncia e ela seja aceita pelo STF.

O procurador do Ministério Público do Paraná Rodrigo Chemim também ressaltou que indiciar alguém é “ato meramente administrativo”, que serve para formalizar a suspeita, mas sem qualquer vinculação ao MP e sem ser a condição para exercício da ação penal.

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