Por Sérgio Denicoli / Estadão*
Engana-se quem acredita que o ponto central da queda de popularidade do governo Lula se deve a eventuais falas desastrosas do presidente, posicionamentos sobre o cenário internacional ou falhas de comunicação. Essas questões têm uma contribuição residual na avaliação da gestão, até porque sempre caem no ambiente de polarização, gerando ataques, mas também defesas. Ao observarmos os dados referentes às publicações sobre a atual gestão do governo federal, fica claro que o crescimento da avaliação negativa se dá, sobretudo, por conta do aumento do preço dos alimentos.
O mesmo fenômeno ocorreu com Jair Bolsonaro. Não foram as polêmicas falas do ex-presidente, nem mesmo a sua conturbada atuação na pandemia, que derrubaram a popularidade dele. Até meados do mandato, o caminho para a reeleição estava bem sedimentado. Segundo dados apurados pela AP Exata, que indicam o sentimento expressado pelos internautas nas redes, foi a partir de julho de 2020 que Bolsonaro começou a perder popularidade. Até então, o sentimento de confiança, referente ao presidente, batia recordes e estava presente em 25% dos posts que o mencionavam.
Com a alta do arroz e do óleo de cozinha, a curva começou a se alterar, ainda de forma pouco representativa. No entanto, rapidamente outros produtos tiveram os preços inflacionados, atingindo em cheio o orçamento da classe média e a avaliação do governo.
O real ponto de virada ocorreu em novembro de 2020. A partir daí, a confiança foi ultrapassada pelos sentimentos de tristeza e medo, e surgiu a campanha “Bolsocaro”, que acabou se tornando uma das mais fortes estratégias de ataque da esquerda.
Bolsonaro chegaria ao período eleitoral ainda lutando contra a alta de preços, tendo, inclusive, usado fórmulas criativas para tentar amenizar os impactos do dragão da inflação, como a ideia de impor um teto para o ICMS dos combustíveis. Nada funcionou para conter a escalada dos preços e ele acabou por ser derrotado. O povo queria voltar a comer picanha.
Passados quase 15 meses da gestão Lula, o fantasma da inflação dos alimentos volta a pautar a sociedade. São frequentes posts de pessoas se queixando da alta dos preços. O assunto virou tema de conversas das famílias, que, diante da grande ofensiva lulista sobre o descontrole de preços durante a segunda metade do governo anterior, esperavam um alento.
Diferentemente de Bolsonaro, Lula não teve um período de lua de mel com os eleitores. Assumiu o Brasil dividido e, desde então, vem equilibrando a avaliação positiva e negativa, sem muitas gorduras para queimar. Se não der respostas aos que esperam comer melhor durante o governo dele, fatalmente acabará por seguir o caminho do antecessor.
Quando a avaliação negativa começa a crescer, obviamente os olhos se voltam para a comunicação. Certamente o governo precisa aperfeiçoar sua atuação, sobretudo nas redes, mas, mesmo que conseguisse ampliar as vozes que anunciam as realizações da gestão, estaria fadado a ser criticado, sempre alguém se assustasse com os preços nos supermercados.
A capacidade de resposta eficaz às demandas econômicas básicas das pessoas é crucial para a sustentação do apoio político e da popularidade de qualquer governante que assuma um país complexo e com tantos problemas sociais como o Brasil.
*Autor do livro TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias, Sergio Denicoli é pós-doutor pela Universidade do Minho e pela Universidade Federal Fluminense. Foi repórter da Rádio CBN Vitória, da TV Gazeta (Globo-ES), e colunista do jornal A Gazeta. Atualmente, é CEO da AP Exata e cientista de dados.