Por Estadão
O ministro da Justiça, Flávio Dino, deixará o Ministério da Justiça com um recorde em negativas de pedidos de acesso a informações públicas sob a alegação de sigilo de informações. Segundo o Painel da Controladoria Geral da União (CGU), a Justiça, sob a gestão do ministro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), negou mais pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) desde que a legislação passou a vigorar em 2012, superando os ex-ministros do governo de Jair Bolsonaro (PL) Sérgio Moro, André Mendonça e Anderson Torres.
A pasta de Dino justifica que a alta em pedidos negados se deve a requerimentos sobre investigações dos ataques de 8 de janeiro.
A LAI estabelece que cidadãos brasileiros tenham a garantia do acesso a dados públicos das esferas federal, estadual e municipal. O texto da lei, sancionada em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), considera informação sigilosa aquela que é imprescindível “para a segurança da sociedade e do Estado”.
Em 2023, o Ministério da Justiça negou 16,6% dos pedidos feitos via LAI. Quando o ministério estava sob a coordenação de Anderson Torres, entre março de 2021 e dezembro de 2022, 7,7% das demandas tiveram negativas por parte do Ministério da Justiça. Com André Mendonça, que antecedeu Torres e agora dividirá o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) com Dino, 12,2% dos pedidos não foram concedidos.
Já com Sérgio Moro, que foi ministro do início do governo de Bolsonaro até abril de 2020, foram negados 6,7% dos pedidos feitos via LAI. Ao longo de toda a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), a pasta não concedeu 3,5% das demandas. A LAI passou a vigorar em maio de 2012, no governo de Dilma e, na gestão da petista, a Justiça deu negativas para 3,7% das solicitações.
Dos 16,6% dos pedidos feitos via LAI negados pelo ministério de Dino, 45,3% foram considerados pela pasta como informações sigilosas de acordo com “legislação específica” ou assegurados pela lei de 2011. Outras 9,72% das demandas tiveram concessão negada por se tratarem de dados pessoais e 5,67% não foram contempladas por serem “desproporcionais ou desarrazoados”.
Durante a gestão de Torres, 36,3% dos pedidos foram negados sob a alegação de sigilo. Já no comando de André Mendonça, o motivo foi usado em 38,5% das recusas. Perto do percentual de Dino, a Justiça na liderança de Moro usou esse pretexto em 41,5% das solicitações não concedidas.
O governo de Michel Temer foi o que menos negou sob a justificativa de sigilo, com 22,4%. No governo de Dilma Rousseff, 28% dos pedidos de acesso à informação rejeitados tiveram o mesmo argumento.
De acordo com Júlia Rocha, coordenadora de Acesso à Informação e Transparência da Artigo 19, ONG que defende a ampliação do acesso à informação no mundo, o número elevado de recusas por parte da Justiça em 2023 é um contraponto à transparência que a LAI exige dos gestores públicos.
“Quando vemos um órgão que deveria garantir o correto andar da Justiça e da Segurança Pública negando tantas informações, já podemos pensar sobre qual é o comprometimento desse ministério específico com a causa e a pauta da transparência e também com as políticas de incentivo aos direitos”, afirmou.
Em nota enviada ao Estadão, o Ministério da Justiça afirmou que o alto número de recusas a pedidos de LAI neste ano se deve a solicitações relacionadas às investigações dos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro. “Tais atos geraram a abertura de investigações policiais e outros procedimentos, razão de muitos pedidos que foram indeferidos”, disse.
O ministério sustenta que a Lei de Acesso à Informação foi “bem aplicada” pela pasta ao longo de 2023 e que dados que não foram repassados seguem legislações específicas. “As informações que não foram repassadas via LAI estão cobertas pelo sigilo, cumprindo a legislação específica. Tal fato, como comprovam os dados da Controladoria-Geral da União, não refletiu em aumento no pedido de recursos no órgão”, afirmou.
No final de novembro, o Ministério da Justiça recebeu o prêmio “Cadeado de Chumbo 2023″, que escolheu as piores respostas de órgãos públicos a pedidos feitos via LAI. A escolha das instituições que desrespeitaram os princípios de transparência foi organizada pela Rede de Transparência e Participação Social e pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.
A pasta de Dino foi escolhida para o prêmio por negar a entrega da relação, dividida por temas, dos relatórios de inteligência realizados pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), de janeiro de 2019 a dezembro de 2022. Após ter todos os recursos negados pela pasta, o cidadão que fez o pedido recorreu à CGU para obter os dados.
Segundo a Lei de Acesso, a CGU pode determinar a divulgação de informações quando um órgão público federal se nega a fazê-lo. A Controladoria analisou o caso e decidiu que o Ministério da Justiça tinha que entregar os documentos. A pasta pediu reconsideração da decisão, embora esse tipo de solicitação não esteja previsto na LAI.
Após analisar o recurso do ministério, a Controladoria anulou a decisão anterior que determinava a entrega dos documentos e considerou que a pasta de Dino não precisava mais tirar o sigilo dos relatórios de inteligência. A Justiça afirmou que a informação requisitada pelo cidadão era sigilosa por “se tratar de tema afeito às atividades de inteligência”.
Para Júlia Rocha, especialista do Artigo 19, o movimento é uma violação às leis que garantem o acesso às informações públicas e também um cerceamento da independência da Controladoria Geral da União, que é o órgão federal responsável por garantir a plena execução da LAI. ”É importante que a CGU seja independente. Esse acontecimento mostra dificuldade de uma manutenção da independência da CGU e isso é preocupante”, afirmou.