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Especialistas em educação questionam interrupção do Novo Ensino Médio pelo governo Lula

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Foto: reprodução

A portaria publicada pelo Ministério da Educação (MEC) nesta quarta-feira (5) suspendendo por 60 dias a implementação do Novo Ensino Médio sob a justificativa de avaliação e reestruturação do programa foi bastante celebrada por sindicatos de professores e movimentos estudantis que vinham pressionando o governo pela revogação da reforma.

Apesar disso, a medida atrasa, mas não revoga a reforma do Ensino Médio no país. Todos os estados já iniciaram a tramitação para adaptar as redes de ensino para o novo modelo, iniciado a partir de Medida Provisória editada no governo de Michel Temer (MDB) que, em 2017, foi aprovada pelo Congresso Nacional.

Segundo o cronograma agora modificado pela portaria do MEC, em 2022 o novo modelo deveria ser implementado no 1º ano do Ensino Médio; em 2023 no 2º ano; e em 2024, no 3°, com o Enem já adaptado ao cenário modificado de matérias e itinerários formativos. A nova determinação do governo também gera indefinição quanto ao formato do Enem.

Para fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, o modelo do Novo Ensino Médio precisa de ajustes, mas qualquer medida que se proponha a voltar ao modelo antigo é prejudicial à educação do país. A suspensão do cronograma de implementação é vista com ressalvas, enquanto alguns dos especialistas destacam como positivo que, apesar de vários membros do governo acenarem positivamente à ideia de revogação da reforma, o ministro da educação, Camilo Santana, tem se manifestado favorável à manutenção do modelo.

O professor Adriano Naves de Brito, que é doutor em Filosofia e ex-secretário municipal de Educação de Porto Alegre, avalia que a medida anunciada pelo MEC ao ceder à pressão de grupos contrários à reforma representa um duro golpe ao Novo Ensino Médio.

“O governo postergar por 60 dias essa implantação significa matar a reforma. As secretarias de educação se prepararam o ano passado para fazer a implementação no início deste ano. Com a reforma não precisando ser implementada nos próximos 60 dias, vai fechar o semestre e não existe a possibilidade de ela ser implantada no segundo semestre, com o ano letivo já pela sua metade e se encaminhando para o fim”, diz Brito.

Para ele, a decisão do MEC atende a interesses de bases de apoio do governo Lula e ignora o interesse público de melhorias educacionais. “A reforma foi gestada em grande parte no governo Dilma, com centenas de milhares de horas de discussões pelo Brasil todo. Conduzir esse processo dessa maneira panfletária é um desrespeito às discussões feitas durante o governo Dilma, mas também aquelas realizadas pelo Congresso, além do trabalho feito pelas secretarias de Educação”, declara.

Brito explica, ainda, que em se tratando de uma reforma educacional ampla, o prazo dado para sua implementação foi reduzido, o que é um dos motivos para a identificação de problemas no modelo. A ocorrência de uma crise sanitária e o foco reduzido dado pela gestão anterior do MEC também são apontadas como agravantes para os problemas no novo Ensino Médio a serem sanados. “O prazo dado foi muito curto, mas não se corrige um erro causando outro ainda maior. A medida cria um caos no sistema educacional que vai abrir espaço novamente para grupos de pressão que agora veem possibilidades de sucesso e vão buscar estabelecer vantagens para si em desfavor dos estudantes”, destaca.

Luiz Carlos Faria da Silva, mestre e doutor em Educação, é outro a questionar a decisão do MEC. Para ele, o governo falha ao ceder à pressão de grupos organizados. “Essa reforma, ainda que possa ter limitações, é uma reforma em curso, que foi decidida aprovada e organizada. Talvez a melhor maneira de o governo lidar com o tema fosse resistindo à pressão e tocando a reforma adiante ainda que se pudesse dialogar sobre formas concretas de implantação”, diz.

Ele destaca, entretanto, sinalização dada pelo por Camilo Santana de maneira favorável ao Novo Ensino Médio. “Isso indica que o ministro não quer interromper a reforma. Me parece que ele quer levar adiante e fazer um ou outro ajuste”, afirma.

Cláudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV, não vê a medida como ideal, mas avalia que a suspensão temporária anunciada pelo MEC pode ser útil para que o governo identifique o que funcionou e o que não funcionou durante a implementação nos estados para que, ao fim dos 60 dias, sejam incorporados os aperfeiçoamentos propostos e se dê seguimento à reforma.

“Nós tivemos durante muitos anos um Ensino Médio com 13 matérias espremidas em quatro horas diárias, uma ‘jabuticaba’ que a gente inventou. Se pegar os países mais bem avaliados pelo Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], nós nos saímos mal na comparação com eles, porque esses países têm no mínimo sete horas diárias de aula e no máximo oito matérias. Além disso, os alunos escolhem suas áreas de aperfeiçoamento”, explica.

Ela destaca a importância de o governo se limitar à análise de eventuais limitações a serem corrigidas sem dar espaço a demandas pela revogação do modelo. “O importante é que a gente não jogue a criança junto com a água do banho revogando todo o modelo. Isso significaria voltar às quatro horas diárias com 13 matérias, um modelo no qual o Ideb –índice que mede a qualidade da educação – era de 3,5 em uma escala de 0 a 10 no Ensino Médio público”, declara Cláudia. “Não queremos voltar a ter um Ensino Médio de má qualidade, que só fazia aumentar as desigualdades educacionais”.

Secretários de Educação são contrários à desidratação do novo modelo  

Nesta quarta-feira, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que reúne as secretarias de educação dos estados e do Distrito Federal, manifestou-se em defesa da reforma do Ensino Médio. Para o conselho, “não é sensato pensar em descartar todo o esforço técnico e financeiro despendido pelas redes estaduais ao longo dos últimos anos”.

O Consed declarou também que a opção de revogação da reforma não é uma opção, em nenhum momento, pelos gestores estaduais. “Aprimoramentos e ajustes, próprios de qualquer processo, podem e devem ser discutidos, mas revogar não é uma opção”.

Fenep afirma que decisão do MEC é retrocesso

Em nota, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) manifestou contrariedade a qualquer alteração no cronograma de implementação do novo Ensino Médio e disse que o setor educacional vive “momentos de agonia e insegurança”. “A interrupção do processo em andamento é um retrocesso e provocará prejuízos, que deverão ser reparados por quem der causa, aos alunos – em especial aos que irão prestar o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) no próximo ano – e às instituições de ensino, quaisquer que sejam suas mantenedoras”.

À Gazeta do Povo, o presidente da Fenep, Bruno Eizerik, afirmou que questões políticas têm adentrado o campo pedagógico, o que vem gerando insegurança para alunos e professores. “Espera-se que com a troca de governo não sejam feitas mudanças radicais no âmbito educacional. Infelizmente, a política está influenciando negativamente a educação”, ressalta.

Ex-ministro da Educação diz que “radicalismo da militância petista” está vencendo
Para o deputado estadual Mendonça Filho (União-PE), que ocupava o cargo de ministro da Educação na época da edição da Medida Provisória que estabeleceu a reforma do Ensino Médio, uma eventual anulação da reforma, como é defendido por integrantes do governo Lula, significa “voltar a um modelo fracassado”.

Veja a nota divulgada pelo ex-ministro nas redes sociais:

“O mundo avança com a inteligência artificial, e o Governo Lula olha pro passado anunciando a suspensão da implantação do Novo Ensino Médio. É uma irresponsabilidade querer desmanchar uma política estruturadora focada na aprendizagem para voltar a um modelo fracassado.

O Novo Ensino Médio foca na aprendizagem, na manutenção do estudante na escola e no protagonismo do jovem. O radicalismo do PT quer voltar ao tempo em que os alunos não aprendiam, concluíam com 3% de conhecimento básico de matemática, 30% em língua portuguesa e evasão elevada.

Importante reconhecer que o ministro da Educação, Camilo Santana, tem tido boa vontade. Compreende a importância de avançar na educação. Infelizmente, o radicalismo da militância petista, que não tem compromisso com os jovens, está vencendo.

O Novo Ensino Médio precisa de apoio técnico e financeiro e de tempo para ser totalmente implantado. É necessário acompanhamento, com dados e evidências muito concretos para, no tempo adequado, fazermos avaliações técnicas sem manipulação política e ideológica”. (Revista Oeste)

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