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Enquanto Milei dá exemplo de recuperação na Argentina, Lula mergulha Brasil em crises

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Foto: reprodução

Eles estão à frente de duas grandes nações vizinhas, mas os seus perfis ideológicos são radicalmente distantes. O governo do presidente libertário argentino Javier Milei e o do esquerdista brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm posturas adversas em quase todos os aspectos, adicionando um capítulo singular à longa – e muitas vezes turbulenta – relação entre as duas maiores economias da América do Sul.

Enquanto o Brasil de Lula amarga uma alta inflacionária, desvalorização da moeda nacional e a irresponsabilidade fiscal transformada em regra, a Argentina de Milei dá exemplo de como a redução do tamanho do Estado e a política de austeridade fiscal podem tirar um país do fundo do poço.

Um dos maiores indicadores dessa tendência é que o peso argentino fecha o ano de 2024 com a maior valorização em termos reais no mundo: 44,2% nos primeiros 11 meses do ano, segundo a consultoria argentina GMA Capital. Já o real teve desvalorização de -21,8%, chegando a um patamar próximo ao da Venezuela (-30,8%), segundo a consultoria Austin Rating.

No campo da segurança pública, enquanto o argentino endurece o combate ao crime, o brasileiro tenta emplacar uma política de desencarceramento e interfirir nas polícias estaduais para abrandar o tratamento dado pelos policiais aos criminosos.

Mas a divergência política essencial entre Lula e Milei não reside em políticas específicas, mas na compreensão que cada um deles têm sobre o papel do Estado. Enquanto o argentino vê o aparato estatal como um meio autoritário de confiscar riquezas, inibir a prosperidade pessoal e ainda criar privilégios para uma minoria, o brasileiro enxerga no gasto público a alavanca fundamental para impulsionar o crescimento econômico e promover justiça social.

Essas perspectivas antagônicas em termos de intervenção governamental na vida dos cidadãos e na regulação dos mercados afetam os programas sociais e a política externa dos respectivos países, sobretudo a estratégia de integração regional. Mas esse contraste não impediu que parcerias lucrativas para ambos os lados fossem firmadas, como o acerto recente para o Brasil importar gás natural da Argentina.

Político de carreira ainda recente, Milei completou em dezembro o primeiro ano de seu mandato presidencial, após assumir o poder no auge de uma das mais severas crises econômicas da história argentina. Nesse curto intervalo, seu agudo ajuste fiscal já trouxe indicadores positivos, com a queda acentuada na brutal escalada inflacionária e o fim da recessão, apesar das polêmicas medidas de austeridade.

Figura dominante do cenário nacional desde os anos 1980, Lula, por sua vez, se aproxima da metade do seu terceiro mandato atolado em desafios que se comparam com o retrato encarado por Milei no fim de 2023. O Brasil sofre grave crise de confiança dos agentes econômicos em razão do crescente descontrole das contas públicas, que estão exigindo medidas duras e urgentes, parte das quais começaram a andar.

Maior diferença entre Milei e Lula está na forma como lidam com o gasto público

Uma das marcas essenciais da gestão Milei está no corte radical dos gastos públicos, além de privatizações e do enxugamento estrutural do Estado, dentro do plano econômico batizado de “motosserra”. A suas medidas austeras tiveram como primeiro alvo o combate da inflação crônica argentina, mas também pretendem eliminar o aparelhamento político da máquina de governo e o poder de burocratas.

No caso de Lula, o discurso em favor da combinação de responsabilidade no gasto público com reforço a programas sociais se esgotou logo devido a resultados ruins do novo e flexível arcabouço fiscal, abrindo brechas para ampliar despesas em todas as áreas. As estatais voltaram ao vermelho, a dívida pública avançou e a confiança do mercado ruiu, ilustrada pelo nível recorde do dólar, acima de R$ 6.

Para o cientista político Márcio Coimbra, o libertarianismo é o que mais diferencia Milei de Lula e as escolhas das duas maiores democracias da região para enfrentar desafios. “O Brasil segue o figurino da gestão populista de esquerda, que já acarreta estragos econômicos, enquanto a Argentina radicaliza no rumo inverso, obtendo os primeiros ganhos”, explicou.

Governos Milei e Lula têm abordagens opostas nas relações internacionais
Durante a campanha eleitoral de 2023, Milei prometeu afastar a Argentina de países autoritários como Rússia e China. Apesar da retórica e do apoio à luta da Ucrânia contra a invasão russa, o presidente tem agido sem prejudicar relações comerciais e investimentos de outros países. Já para Israel, ele reafirmou forte alinhamento no tema segurança e valores culturais e democráticos comuns.

Para as ditaduras de Cuba e Venezuela, Milei segue subindo o tom das críticas, denunciando violações de direitos humanos e dando apoio às vítimas dos regimes. Com os Estados Unidos, ele sempre manifestou desejo de ampliar relações com a nação líder do Ocidente liberal, disposição impulsionada após a eleição do republicano Donald Trump, que tem feito seguidos gestos para prestigiar o colega argentino.

Quanto ao Mercosul, Milei vê o bloco como entrave a acordos e Lula quer fortalecê-lo. Pelo Brics, o Brasil alia-se à China, Rússia e Irã. Além disso, a relação com Israel chegou ao seu pior nível após os ataques do Hamas, e os afagos a Nicolás Maduro geraram desgaste após a fraude eleitoral do ditador. Com os EUA, Lula não teve a parceria esperada na agenda ambiental e a volta de Trump deve criar fortes tensões.

Para o professor Daniel Afonso Silva, pesquisador de relações internacionais da USP, o retorno de Trump à Casa Branca deve acentuar diferenças entre Milei e Lula, tornando-se a questão mais sensível de suas políticas externas, dentro do contexto de articulação da direita global. “Devido às afinidades conservadoras, o argentino foi convidado para a posse do presidente americano bem antes de Lula”, lembrou.

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