Em novo suposto diálogo vazado, o coordenador da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, avaliou que Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República e senador, participou de esquema de recolhimento de parte de salários de assessores quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Na conversa do grupo, em um aplicativo de mensagens, Deltan e colegas, também procuradores do Ministério Público Federal (MPF), mostraram-se preocupados em relação à conduta que o ex-juiz Sergio Moro teria diante do caso.
As mensagens seriam de dezembro, quando Moro já havia sido escolhido por Jair Bolsonaropara assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os diálogos atribuídos à força-tarefa foram divulgados neste fim de semana pelo site The Intercept Brasil e fazem parte de um conjunto de arquivos que o veículo obteve de uma fonte anônima e que vem divulgando desde junho. Os arquivos — que abrangem conversas no aplicativo Telegram, além de vídeos e áudios — provocaram controvérsia em torno da condução da Lava-Jato. Críticos apontam uma relação imprópria entre os procuradores, que atuam na acusação, e Moro, que julgava os casos. Os envolvidos não reconhecem a autenticidade do conteúdo, mas também não negam que possa ser verdadeiro.
A troca de mensagens divulgada por The Intercept começa com o compartilhamento, por Deltan, do link para uma reportagem publicada em 7 de dezembro pelo site UOL. A matéria contava que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) havia detectado um depósito de R$ 24 mil na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, feito por Fabrício Queiroz, que atuara como assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa fluminense. A reportagem também relatava que o Coaf havia detectado a movimentação, por Queiroz, de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valores incompatíveis com seu patrimônio e sua atividade. Flávio e Queiroz negam qualquer irregularidade.
“Ai, ai, ai”, começou Deltan. “É óbvio o que aconteceu… E agora, José?”. Em seguida, o coordenador da Lava-Jato manifestou sua certeza de que Flávio estaria envolvido com Queiroz em um esquema irregular (a suspeita era de que os funcionários do gabinete de Flávio devolviam parte do salário via Queiroz). Deltan escreveu, numa sucessão de mensagens:
“Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado, o que pode indicar o rolo dos empréstimos? Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no Supremo (prometida pelo presidente a Moro)? Agora, Bolso terá algum interesse em aparelhar a PGR (Procuradoria-Geral da República), embora o Flávio tenha foro no TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). Última saída seria dar um Ministério e blindar ele na PGR. Pra isso, teria que achar um colega bem trampa.”
Um dos procuradores no grupo, Roberson Pozzobon comentou que Moro já devia esperar que algo do gênero aparecesse e questionou se ele estaria “disposto a ficar no cargo com isso ou se mais disso vir”. Deltan colocou em dúvida se Bolsonaro deixaria o filho ser atingido. “Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anticorrupção se o filho dele vai sentir a pauta na pele?”
Outro procurador, Januário Paludo, opinou que Bolsonaro deveria estimular as investigações, se necessário sacrificando pessoas próximas: “Tem de investigar. É isso que ele sempre diz. Na pior das hipóteses, Podem ir os anéis (filho e mulher), mas ficam os dedos. Seria muito traumático o general assumir no lugar dele”.
As supostas trocas de mensagens também mostram que Deltan temia que jornalistas lhe fizessem perguntas sobre Flávio. Ele discute como deveria responder e conclui que seria melhor ser cauteloso a respeito do filho do presidente. “Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas. (…) Não sei se convém o nível 2. Não podemos ficar quietos, mas é neste momento um pouco como com RD (Raquel Dodge, procuradora-geral da República). Vamos depender dele pra reformas… Não sei se vale bater mais forte.”
Em uma outra conversa atribuída à Lava-Jato, Deltan também demonstra que estava dosando o que dizer para não bater de frente com os Bolsonaro. Ele conta aos procuradores que recebeu um pedido de entrevista para o Fantástico, feito pelo repórter Giovani Grizzoti, da RBS. O assunto envolvia principalmente o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), mas também haveria citação do caso de Flávio e de Queiroz.
“A questão é se é conveniente darmos entrevista para essa reportagem ou não?”, questiona Deltan. “Acho q não é uma boa; além da bola dividida Flávio Bolsonaro, e de ser pauta já definida pelo STF, Paulo Pimenta já nos representou algumas vezes”, escreve o procurador Julio Noronha. Antonio Carlos Welter comenta: “Pelo Pimenta não vejo problema. O ruim é a bola dividida. Mas não dividir pode ser pior. Fica seletivo.”
Sobre o episódio relatado, a Globo informa que adota como norma de conduta a preservação do sigilo entre jornalista e sua fonte. Portanto, não pode tecer comentários a respeito de comunicação assim, seja verdadeira ou falsa.