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Em ato supremo de deboche, partidos anistiam as próprias lambanças e coisa pior

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Foto: reprodução

Por Folha de São Paulo

A repulsiva emenda constitucional da anistia a lambanças de partidos políticos é mais uma pá de cal e de lama na possibilidade de renovação política. É um deboche, um descaramento cínico, que reafirma a tendência de o Congresso se tornar uma espécie de cooperativa ou corporação destinada a preservar feudos, currais políticos, e incrementar as prebendas dos neocoronéis.

As extravagâncias perdulárias dos fundões eleitorais e partidários já revoltam. Há mais, mais importante. Os integrantes da corporação mais e mais tomam o poder sobre as fatias restantes e minguantes do Orçamento, aplicando verbas à matroca e sem responsabilidade alguma sobre a eficiência e a justiça do uso dos recursos (“emendas”). Governam para o curral e para os amigos. Contribuem para a inviabilidade orçamentária do governo federal, que deve chegar em menos de meia dúzia de anos, se não houver reforma fundamental.

O Junho de 2013 e os dois anos seguintes recheados de manifestações de rua foram também protestos contra um sistema político impermeável à participação do povo comum; foram queixas contra a ineficácia de políticas públicas, contra o desperdício, a corrupção e até contra desigualdades.

Como resultado, partidos centrais do antigo regime de negociação política foram diminuídos ou feridos de morte, como o MDB e PSDB, embora o MDB tenha tomado brevemente o poder em 2016; o PT foi severamente avariado.

O centro do poder, porém, foi ocupado justamente pelos velhos partidinhos especializados em trocar votos por favores, em fisiologismo simples ou bandalho (roubança). Além disso, tivemos a novidade de um movimento, ora abrigado num partido, ora noutro, que se apresentava como inimigo do “sistema”, um propagandista de mentiras perversas, ignaras e lunáticas que viria a ser a tropa de choque de um projeto de tirania, incorporado em Jair Bolsonaro.

O sistema político fechou-se ainda mais em si mesmo e para si mesmo. O movimento antissistema revelou-se, como se fora necessário, isso que se lê nas páginas policiais: um golpista que ocupava o cargo de presidente da República tramava com espiões modos de ajudar seus filhos a fugirem da polícia e aparelhava a máquina do Estado para fraudes e conspirações contra a democracia. As vitórias eleitorais dos centrões, o Congresso quase inteiro e a larga maioria dos prefeitos, sugere uma acomodação sinistra com esse estado de coisa.

É uma acomodação final a um sistema de atraso permanente? Haverá nova revolta? Um novo salvador da pátria autoritário?

Essa dita PEC da Anistia perdoa lambanças variadas dos partidos, a começar pelo descumprimento descarado das normas de incentivo a participação de pretos, pardos e mulheres na política.

Decreta também a suspensão ou cancelamento de quase todas as punições a lambanças com dinheiro e impostos, em prestações de contas eleitorais e outras, suas multas e juros. Se tiverem débitos, terão direito a um parcelamento de dívidas, sem juros e multas, em até 180 meses.

Partidos, suas fundações e institutos podem usar dinheiro do fundão partidário para pagar seus rolos e, também, vamos citar literalmente “…débitos de natureza não eleitoral, devolução de recursos ao erário, e devolução de recursos públicos ou privados imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada…”. O que é “origem não identificada”? Dinheiro que caiu do céu? Achado na rua? Em uma caixa? Caixa dois?

Apenas PSOL, Rede e Novo votaram contra, além de um número minoritário de parlamentares de outros partidos. No primeiro turno, a PEC foi aprovada na Câmara por 344 votos a favor, com 89 contrários; no segundo, por 338 a 83. A aprovação final do troço ainda depende do Senado.

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