Impunidade: O que era ruim ficou ainda pior. Porque o passar do tempo só faz aumentar a cruel sensação de impunidade. Os números são vergonhosos. Em 2018, 241 mulheres foram assassinadas em Pernambuco. Nesse mesmo ano, apenas quatro homicídios foram julgados. Não representavam nem 2% dos casos. Mais um ano e 2019 se encerra com uma estatística igualmente insignificante. Apenas oito assassinatos foram submetidos a julgamento ao longo dos 12 últimos meses. Dois anos se foram e tudo o que se tem a mostrar são desconcertantes 12 casos em que a Justiça efetivamente foi feita. Na média dos anos, não dá nem um julgamento por mês. A nova atualização do projeto #UmaPorUma, que contabilizou todos os homicídios de mulheres ocorridos em Pernambuco em 2018, expõe as feridas de um sistema que falha na hora de condenar. Mas não é só a impunidade que revolta. Diante da ausência de resposta concreta do Estado em punir quem tirou a vida de mais de duas centenas de mulheres, o recado é claro. Vira um estímulo à reincidência.
No esforço não só de contar os assassinatos, mas, sobretudo, de compreender as causas e consequências dessa matança quase diária, um coletivo de jornalistas mulheres do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC) está monitorando, passo a passo, o andamento do processo penal que investiga a morte de cada uma das vítimas. Desde a fase policial até o julgamento. Nesse desafio, fica evidente o quanto a inércia do aparelho repressor e de Justiça termina favorecendo quem deveria estar sentado no banco dos réus. Mesmo os acusados que chegam a ser presos enxergam na demora para o desfecho judicial dos casos uma desculpa para pedirem (e conseguirem) a liberdade.
A história de Maria Jacqueline da Silva é exemplar. Nua, amarrada a uma árvore pelos pés e pelas mãos e abandonada num matagal perto de casa. Foi assim que a jovem de 19 anos foi encontrada no 1º de junho de 2018, em Garanhuns, no Agreste do Estado, após passar 72 horas desaparecida. O responsável pelo crime chegou a participar das buscas pelo corpo. O vigilante Marcelo José Bezerra da Silva, 28, era vizinho da vítima e confessou o assassinato. Alegou que os dois tinham um caso extraconjugal (vítima e assassino eram casados) e a jovem o teria pressionado a abandonar a esposa. De Jacqueline, além da vida, foi tirado o direito de contar a sua própria história. Passado mais de um ano do feminicídio, o assassino confesso de Jacqueline teve a prisão preventiva revogada, em setembro deste ano. Marcelo foi colocado em liberdade, apesar do crime bárbaro e covarde que cometeu.
Dos 241 assassinatos, cerca de 25% sequer tiveram resposta da polícia. São inquéritos que continuam em aberto, uma parte deles inclusive sem autoria identificada. Praticamente todas as investigações sem solução na fase policial envolvem situações que apresentam alguma relação direta ou indireta com o tráfico de drogas, além de circunstâncias em que o medo de sofrer represálias, a falta de testemunhas e de indícios na cena do crime dificultam a investigação. É o caso de Rejane Pereira da Silva, 32 anos, assassinada em uma lanchonete que funcionava no térreo da casa em que morava, no centro de Angelim, no Agreste do Estado. O crime aconteceu no dia 3 de junho de 2018 e até hoje não se sabe quem foi o autor dos disparos nem a motivação do homicídio.