Supremo tem travado ações penais que usam dados entregues pela Odebrecht em acordo que abalou o meio político
O acordo de colaboração que chegou a ser apelidado de “delação do fim do mundo” pelo seu impacto na política nacional agora tem sido gradualmente considerado inválido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), travando uma série de processos na Justiça.
A partir de um precedente que beneficiou o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ordens do tribunal têm declarado suspensas ações penais que tiveram como base dados do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht.
As decisões mais recentes, em dezembro, favoreceram o hoje vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e o ex-candidato ao Governo de São Paulo Paulo Skaf (filiado hoje ao Republicanos). Eles conseguiram paralisar a tramitação de seus processos, que envolviam delatores da empreiteira, estendendo para si os efeitos da decisão pró-Lula.
Formou-se ainda uma fila de pedidos de extensão da medida feitos por outros investigados na Operação Lava Jato e seus desdobramentos, que inclui o ex-deputado Eduardo Cunha (hoje no PTB) e o ex-senador Edison Lobão (MDB). O responsável por analisar os pedidos é o ministro Ricardo Lewandowski.
A invalidação de parte do acordo da Odebrecht —grupo hoje rebatizado de Novonor— teve seus primeiros passos quando a defesa de Lula recorreu à corte para ter acesso à íntegra dos sistemas eletrônicos da empreiteira, na época em que ainda respondia a ações da Lava Jato no Paraná.
O petista dizia que a Vara Federal de Curitiba tolhia seu direito à defesa ao dar seguimento a uma ação penal sem que seus advogados pudessem avaliar todos os dados entregues pela empreiteira.
Os sistemas eletrônicos, chamados de Drousys e MyWebDay, eram usados pela construtora para registrar pagamentos ilícitos e ficavam armazenados secretamente na Europa. Esses dados são as principais provas de corroboração dos relatos de irregularidades feitos por 78 executivos da empreiteira em depoimentos.
Em agosto de 2020, os ministros Lewandowski e Gilmar Mendes determinaram que fosse concedido amplo acesso à defesa ao conteúdo do acordo de leniência. Como ficou vencido na ocasião o ministro Edson Fachin, que relata a Lava Jato no Supremo, Lewandowski passou a ser relator de um recurso da defesa chamado de reclamação.
Na sequência, a defesa de Lula começou a fazer novas solicitações ao Supremo, analisadas primeiramente por Lewandowski em uma outra reclamação protocolada.
No fim de 2020, por exemplo, pediu acesso a mensagens trocadas por procuradores apreendidas na Operação Spoofing, que investigou o hackeamento dos telefones de autoridades da Lava Jato. Lewandowski concedeu o acesso, e os advogados de Lula trouxeram para os autos centenas de páginas de transcrições de conversas da força-tarefa feitas no aplicativo Telegram.
A partir desses diálogos, o advogado que coordena a defesa de Lula, Cristiano Zanin Martins, pediu que o uso do acordo de leniência contra o petista fosse invalidado.
Lewandowski também aceitou esse pleito em 2021, após uma das ações penais abertas contra Lula em Curitiba ter sido enviada ao Distrito Federal também por ordem do Supremo.
Citando os diálogos dos procuradores, o ministro escreveu que os dados eletrônicos da empreiteira tinham sido transportados sem as devidas precauções legais e que as tratativas internacionais para o acordo se deram “à margem da legislação vigente”.
O acordo com a Odebrecht tinha sido firmado no fim de 2016 por autoridades do Brasil, da Suíça e dos Estados Unidos e envolveu pagamento de multa projetada à época em R$ 8,5 bilhões.
O ministro do Supremo entendeu ainda que o ex-juiz Sergio Moro, hoje declarado parcial em sua atuação em relação a Lula, despachou na recepção do acordo de leniência como prova de acusação.
A medida de Lewandowski foi referendada por outros dois ministros que integram a Segunda Turma da corte, Gilmar e Kassio Nunes Marques, em fevereiro do ano passado.
Diante dessa circunstância, outros réus passaram a pleitear a extensão dos efeitos.
Ainda em 2021, o empresário Walter Faria, dono da cervejaria Petrópolis, argumentou que a situação dele era idêntica à de Lula e que a mesma medida deveria ser tomada.
Solicitação do empresário já tinha sido atendida provisoriamente à época por Lewandowski e foi reafirmada em março passado. Ele respondia a ações penais nas quais foi acusado de participar do esquema ilegal de financiamento de políticos arquitetado pela Odebrecht.
O ex-ministro Paulo Bernardo Silva, que é réu na Justiça Federal no Rio Grande do Sul, também teve a tramitação de ação penal suspensa em setembro.
Na mesma semana, foram paralisadas ações penais eleitorais contra o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), e o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) que tramitavam no Rio. A medida incluiu ainda investigações não finalizadas no estado.
“A acusação baseou-se essencialmente nos documentos alegadamente extraídos dos sistemas de informática denominados Drousys e MyWebDay”, escreveu Lewandowski na decisão.