
Por Folha de S. Paulo
A decisão do Congresso Nacional de desvincular estados e municípios da reforma da Previdência aprovada em âmbito federal abriu caminho para uma diversidade de regras que, mais de cinco anos depois, ajuda a impulsionar o déficit nos governos regionais.
Seis estados e 1.356 municípios —o equivalente a dois terços daqueles com regimes próprios— ainda não aprovaram nenhum aperto nos critérios de aposentadoria e pensão, segundo estudo dos pesquisadores Rogério Nagamine e Bernardo Schettini, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O quadro amplia o risco de futuro desequilíbrio nas contas.
A situação motivou uma nova investida de entidades municipalistas pela aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) federal para amarrar as prefeituras às regras mais duras em vigor desde 2019. “Nós vamos lutar para reincluir, porque isso é moralizante”, diz o presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkoski.
A União é responsável pela maior parcela dos gastos no Brasil com Previdência e assistência social. Mesmo assim, a despesa de estados e municípios é relevante e tem crescido acima da inflação.
Em 2024, os governos estaduais bancaram R$ 74,7 bilhões em benefícios por trimestre, em média. A cifra representa uma alta real de 6% em relação ao observado em 2019, antes da pandemia.
Nos municípios, o gasto médio trimestral alcançou R$ 25 bilhões no ano passado, valor que, embora menor em termos absolutos, significou uma expansão mais veloz, de 19,3% no período. A variação superou até mesmo a alta real de 13,2% observada na União na mesma comparação.
Os cálculos foram feitos pelo economista Bráulio Borges, economista-sênior da LCA 4intelligence, pesquisador associado do FGV Ibre e colunista da Folha, a partir de dados do Tesouro Nacional.
O envelhecimento da população é um desafio em comum para todos os regimes previdenciários. A situação é mais preocupante para aqueles que não fizeram nenhum tipo de reforma, mas o déficit subiu mesmo entre os dez estados que implementaram normas idênticas às do governo federal, como São Paulo e Paraná.
Além disso, 11 deles implementaram regras mais brandas do que as vigentes para a União. O rombo agregado da Previdência dos estados alcançou R$ 145,6 bilhões em 2023.
“Ter permitido que estados e municípios tivessem regra diferente da União foi um retrocesso”, critica Nagamine, que era subsecretário do RGPS (Regime Geral da Previdência Social) quando a PEC foi enviada, no começo de 2019.
Antes da reforma, todos os entes seguiam as normas federais, o que foi mantido na proposta original, mas derrubado pelo Legislativo. Na época, os parlamentares argumentavam que não cabia ao Congresso assumir um ônus político que deveria recair sobre governadores e prefeitos.
“O resultado foi esse, uma confusão de regras heterogêneas e, em geral, mais brandas”, diz Nagamine.
Dos seis estados que não fizeram nenhuma mudança, Amapá, Amazonas, Distrito Federal e Pernambuco não se manifestaram. Maranhão e Roraima chegaram a responder perguntas sobre outros temas, mas não sobre Previdência.
O problema é ainda mais grave nos municípios. “Os pequenos e médios têm muita dificuldade, porque o servidor vai direto na casa do vereador. É diferente do deputado federal, ou mesmo do estadual. A pressão é grande”, afirma Leonardo Rolim, que já foi secretário de Previdência, presidente do INSS e é especialista no tema.
“Sem falar que, no caso dos municípios, o quórum é maior. São dois terços [dos votos] para mudar a lei orgânica. Para mudar a Constituição estadual ou federal, são [necessários] três quintos”, acrescenta.
Para tentar amenizar o problema, os municípios tentam se vincular às regras da União por meio da PEC 66, que renegocia dívidas previdenciárias e judiciais das prefeituras.
A versão aprovada pelo Senado Federal previa a aplicação das regras mais duras tanto para municípios quanto para estados. Na Câmara dos Deputados, o trecho foi suprimido ainda na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que viu inconstitucionalidade na mudança. A derrubada teve apoio do PT, do PL e do centrão e, segundo relatos, atendeu a pressões políticas de categorias como juízes, promotores e policiais civis.
“Como que é inconstitucional voltar à regra que sempre esteve na Constituição?”, questiona Rolim.