Por Gilson Alves*
Através do Ato nº 803, de 26/11/2020, publicado em 27/11/2020, o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), desembargador Fernando Cerqueira Norberto dos Santos, tornou público o Projeto de Resolução nº 015/2020, que dispõe sobre a “Agregação de Comarcas no Estado de Pernambuco”, que na verdade significa a desativação (ou o fechamento) de 43 comarcas, do litoral ao sertão, sob a alegação, dentre outros argumentos, v.g., do cumprimento da Resolução nº 184/2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); de estudos técnicos e estatísticos feitos pelo próprio TJPE; a agregação de comarcas trará, em consequência, o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional; a invocação do princípio da eficiência inserto no art. 37, caput, da Constituição Federal (CF) e a busca da otimização do funcionamento do judiciário. Alfim, e como supedâneo a amparar dita pretensão, cita-se o Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco (Lei Estadual nº 100/2007) que no seu art. 5º, incs. I a III, estabelece os requisitos para a criação de comarcas.
Em artigos anteriores procurei chamar a atenção para essa “tragédia anunciada” e os malefícios que o fechamento dessas comarcas resultaria, em especial, para a população pobre, carente e residente nas periferias das cidades atingidas, sobretudo, nos povoados, distritos e áreas rurais desses municípios. Em que pese a imensa quantidade de cidadãs e cidadãos pernambucanos/jurisdicionados afetados, nada, absolutamente nada, foi feito por parte de instituições públicas ou privadas ou dos representantes políticos (prefeitos, deputados estaduais, federais e senadores), para refrear o ímpeto do CNJ e do TJPE em fechar comarcas e prejudicar a população. Isso é grave? Claro que é! Significa que centenas ou milhares de pessoas serão compulsoriamente afastadas de um Fórum (Casa da Justiça) e de um Juiz (Sinônimo de Lei), respectivamente. E o que acontece com os habitantes desses municípios depois de consumada a desinstalação das suas comarcas? Aí é que está o “x” da questão.
Vou me permitir traçar um paralelo imaginário com Verdejante, esse pequeno município encravado no Sertão Central de Pernambuco, lugar de gente humilde e trabalhadora, porém, desassistido há anos pelos poderes públicos. Ali, descumpre-se as leis, mormente, a eleitoral; os princípios básicos da administração pública; descumpre-se, reiteradamente, a quase tudo, quando se quer, contra quem se quer e como se quer, na certeza renhida de que nada, rigorosamente nada, acontecerá. É um lugar onde o império da lei não se faz sentir: rouba-se, mata-se, apropria-se, desvia-se, omite-se, usurpa-se, compra-se, prevarica-se, frauda-se, e nada acontece. Na verdade, é lugar e berço da “senhora impunidade”, que vagueia abertamente pelas pradarias “verdejantes” sem qualquer limite ou obstáculo que contenha o desejo incontido de confundir o público com o privado, relegando a grande parcela pobre e miserável da população a um desprezo e esquecimento sem precedentes.
Ao que parece, portanto, que a perda de prestígio sócio-político, econômico e geográfico, mormente nesses tempos pandêmicos, parecem não ser “comorbidades” exclusivas do pequeno e quase “sessentão” Verdejante, mas sim, “enfermidades” presentes em outros 42 municípios pernambucanos, podendo essa “contaminação” se alastrar para outros mais, os quais, embora atingidos pela pandemia mundial da COVID-19, em vez de merecerem a benéfica “vacina imunizadora” da presença do braço do Estado através do Judiciário, serão, em verdade, castigados com a desinstalação/agregação das suas comarcas, penalizados com o fechamento dos seus Foruns e, de resto, sacrificados pelo abandono da própria Justiça, caracterizado, pois, pelo distanciamento geográfico dos juízes em relação ao povo jurisdicionado.
Assim caminhará Verdejante… será que assim também andará os outros municípios? Melhor do que eu, poderá e deverá responder as eminentes autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público estaduais.
Forte nessas justas razões – e antes tarde do que nunca –, há de se reconvocar toda a população, os políticos nativos e comprometidos com o bem comum, os eminentes deputados estaduais, federais e os senadores que foram, ou não, votados nesses municípios, o senhor governador, a Defensoria Pública, o Ministério Público e a combativa OAB/PE, para que juntos e em uma união de propósito seja levantada essa bandeira, de sorte a suspender, por ato de prudência e em respeito ao povo pernambucano, esse malsinado Projeto de Resolução, permitindo que se abra uma ampla discussão acerca dos estudos que o precederam com o fito de se buscar alternativas que evitem, a todo custo, o fechamento de qualquer comarca no Estado de Pernambuco.
Se assim não for, próximo estará o tempo em que se dirá que devemos crer apenas na “justiça divina, que tarda, mas não falha”, porque, a do homem, mesmo falha, já não mais existirá, merecendo, derradeiramente, que se faça coro com Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.
*Advogado militante, com escritório em Salgueiro/PE