Por Estadão
Foram tensas as reuniões dos últimos dias, no Palácio do Planalto, para definir o pacote de corte de gastos do governo. A portas fechadas, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, bateu boca com o titular da Fazenda, Fernando Haddad, na frente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Marinho reclamou, ainda na segunda-feira, 4, de não ter sido consultado pela equipe econômica sobre nenhuma proposta para mudar o abono salarial, o seguro-desemprego e a multa de 40% do FGTS por demissão sem justa causa.
Haddad reagiu. Disse que, desde fevereiro, o governo discute a revisão de despesas obrigatórias para que elas caibam dentro do arcabouço fiscal e citou até mesmo conversas conduzidas pelo secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, presente naquele encontro.
Sem esconder a irritação, Marinho repetiu que ninguém havia falado com ele sobre o assunto e por isso se sentia agredido. Há uma semana, quando questionado por repórteres, Marinho já havia dado uma cotovelada na direção de Haddad ao sustentar que não era de “bom tom” ministros vazarem estudos técnicos sem consultar os titulares das pastas. “A não ser que o governo me demita”, ressalvou ele.
Na mesma reunião, houve um mal-estar com o ministro da Educação, Camilo Santana. Ex-governador do Ceará e colhendo os louros da vitória do PT em Fortaleza – única capital conquistada pelo partido nas eleições municipais –, Camilo discordou de mudanças no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para abrir espaço fiscal no Orçamento. Procurado pela Coluna, ele não quis se manifestar.
Nos bastidores, Camilo também engrossa a lista dos auxiliares de Lula que se queixam do estilo rude do chefe da Casa Civil, Rui Costa, ex-governador da Bahia. Porta-voz do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Costa já deu chá de cadeira em vários ministros, como Haddad, Ricardo Lewandowski (Justiça) e José Múcio Monteiro (Defesa).
Mesmo sem ter sido anunciado, o pacote que promete agora passar a tesoura nos gastos públicos divide a Esplanada e o próprio PT. O argumento é o de que, se o ajuste incluir corte de benefícios sociais em saúde, educação e Previdência, o governo Lula 3 perderá a identidade e o partido, sua última bandeira para a disputa de 2026.
Vitória de Trump nos Estados Unidos preocupa governo
A encruzilhada política que atinge o PT ocorre justamente no momento em que a direita avança no País e também no mundo. Basta ver a vitória de Donald Trump, que derrotou Kamala Harris nos Estados Unidos. O quadro preocupa o Palácio do Planalto porque pode ter impacto até mesmo sobre a redução da taxa de juros no Brasil, abrindo espaço para a oposição.
De qualquer forma, após o forte revés sofrido nas eleições do mês passado em território nacional, militantes petistas agora se preocupam com o que está por vir: o corte de despesas sociais.
“Em vez de ficar discutindo o tempo todo arcabouço fiscal, temos de discutir política de neoindustrialização do País”, avaliou Lincoln Secco, professor de História Contemporânea na USP, ao participar, na noite desta terça-feira, 5, de um debate promovido pela Fundação Perseu Abramo e pelo PT sobre os desafios do partido. “Com todo nosso respeito a Haddad, mas quero um governo com mais Esther Dweck e menos Haddad”, completou Secco.
A frase indica a contraposição entre o grupo do titular da Fazenda, considerado fiscalista, e a ala da ministra da Gestão, vista como desenvolvimentista por defender maior presença do Estado na economia para induzir o crescimento.
“Falta mobilização dos grupos de esquerda para pressionar o próprio governo”, insistiu o professor. “O governo Lula é pressionado por um lado só.”
Na prática, um ano e dois meses após sair do papel, o arcabouço fiscal ainda enfrenta desconfianças do mercado, que pressiona o governo a fazer um “detox” nas despesas.
Críticas a erros da equipe econômica na estratégia para emplacar a reforma tributária também marcaram o debate entre petistas, no encontro promovido pela Perseu Abramo, em São Paulo.
“É um absurdo pessoas de renda mais alta não serem tributadas”, afirmou o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro. Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Janine destacou que ninguém ali defendia déficit, mas, sim, que o dinheiro fosse arrecadado de quem pode pagar.
“Qual a linha de corte? Benefício de Prestação Continuada, seguro-desemprego?”, perguntou o professor para a plateia. “Querem inviabilizar o governo para o governo perder a eleição daqui a dois anos e inviabilizar o Brasil”.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, participou apenas da abertura do debate, de forma virtual. Mas, ao concordar com o diagnóstico de que o partido precisava encontrar um discurso para a nova realidade, fez uma advertência. “Minha avó sempre dizia: ‘Temos de ter muito cuidado para não jogar a água da bacia com a criança dentro’”, insistiu.
“Entre mexer na vinculação do salário mínimo e mudar o arcabouço, tem de mudar o arcabouço. Simples assim”, disse Gleisi ao Estadão.