Editorial Estadão
Vai faltar dinheiro neste ano para pagar o Auxílio Gás, como noticiou este jornal. Um dos principais programas sociais do governo está sendo vítima dos erros que a gestão lulopetista teima em repetir para tentar mascarar despesas e fazê-las caber no Orçamento. É como diz um conhecido ditado mineiro: quando a esperteza é muita, vira bicho e come o dono.
Em agosto do ano passado, o governo teve a ideia de usar a Caixa para custear o Auxílio Gás com dinheiro do pré-sal – tudo isso, claro, sem passar por qualquer previsão no Orçamento. A manobra seria subsidiar diretamente revendedores de gás de botijão com recursos do Fundo Social, formado pelo excedente do pré-sal que cabe à União. Com isso, a dotação via Orçamento seria de apenas R$ 600 milhões em 2025, o que corresponde a menos de 18% dos R$ 3,4 bilhões do auxílio no ano passado. Para este ano, a previsão de custos gira em torno de R$ 3,5 bilhões.
Do subsídio custeado pelo pré-sal, repassado pela Caixa, viria a maior parte dos recursos, um drible às obrigações fiscais que, de tão óbvio, não passou despercebido. Foram tantas as críticas – que comparavam a manobra à contabilidade criativa que contaminou o governo Dilma Rousseff e lhe custou o segundo mandato – que o projeto foi para a geladeira. Em seu lugar, o governo anunciou que apresentaria um substitutivo que não só resolveria a contabilidade do programa, como iria quadruplicar os desembolsos até o período de eleições presidenciais. A estimativa era passar para R$ 5 bilhões em 2025 e para R$ 13,6 bilhões em 2026.
Em novembro, quando a equipe econômica anunciou o malfadado pacote de corte de gastos, divulgou também a decisão de mudar o projeto, o que até agora não passou de intenção. Para piorar, o Orçamento de 2025 ainda não foi votado e, por causa da demora, o governo só tem permissão legal para executar 1/12 do Orçamento apresentado. Não dá para custear nem o primeiro repasse do programa, em fevereiro.
Não há mágica na concessão de benefícios sociais. O dinheiro das políticas públicas vem dos tributos que o governo arrecada e das captações que faz no mercado, com a emissão de títulos para financiar investimentos. A vertente tributária bateu no limite, e a desconfiança em relação à política fiscal encarece o custo das captações e afasta investidores.
A previsão orçamentária não é um capricho. Submeter programas como o Auxílio Gás ao debate orçamentário significa ter que defender sua relevância, já que outras despesas disputam o dinheiro público, que por definição é escasso. É desse debate que o governo pretendia escapar, ou porque considera o programa tão essencial que dispensa o aval dos representantes dos eleitores ou porque precisa manter o programa mesmo sem ter dinheiro para isso.
A mudança tentada pelo governo, com o repasse direto de subsídios do pré-sal aos revendedores de gás, foi mais uma manobra para fugir dos limites do arcabouço que o próprio governo instituiu. E depois o governo vai se queixar que sua falta de credibilidade é resultado de problema de “comunicação”.