Início Notícias Crime organizado já comanda boa parte do Brasil; são 53 fações que...

Crime organizado já comanda boa parte do Brasil; são 53 fações que giram em torno de grupo que ameaçou Moro

385

Presente em quase todo território nacional, organização criminosa de São Paulo ultrapassou as fronteiras, relaciona-se com mafiosos estrangeiros e possui lista extensa de inimigos na disputa por território

Por Jovem Pan

As facções criminosas estão presentes nos quatro cantos do Brasil. Seja em comunidades ou em áreas nobres. No ar, na terra ou no mar. Não existe um local em que não haja atuação do crime organizado no país. No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há pelo menos 53 fações atuantes — e no mínimo uma em cada Estado. Todas elas, porém, orbitam em torno da mais conhecida: o Primeiro Comando da Capital (PCC). Nascido em 31 de agosto de 1993, no presídio de Taubaté, no interior de São Paulo, o PCC avançou para além das fronteiras paulistas e, com o passar dos anos, chegou a outros países. O grupo é liderado por Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, conta com mais de 35 mil membros e hoje possui conexões com mafiosos estrangeiros — inclusive a poderosa ‘Ndrangheta, da Itália, responsável por abastecer a Europa com drogas. No Paraguai, o PCC encontrou um ponto estratégico onde adquiriu armas e drogas, como a cocaína, que obtém da Bolívia e envia para países europeus, através dos portos brasileiros. Esse crescimento resultou no rompimento com diversos outros grupos.

Antes aliados, o Comando Vermelho (CV), maior facção criminosa do Rio Janeiro, e o PCC são inimigos declarados e disputam territórios. O grupo paulista atua em 24 Estados, além do Distrito Federal. O CV está presente em 13 e também atua no DF. Do total, apenas quatro Estados tem domínio exclusivo de uma facção: Mato Grosso do Sul, Piauí e São Paulo são áreas estratégicas da facção paulista; Mato Grosso é “jurisdição” dos cariocas. A extensa lista de inimigos do PCC ainda conta com o Sindicato do Crime, responsável pelos ataques que aterrorizam o Rio Grande do Norte (RN). Pelo menos 48 cidades do Estado registraram ação de criminosos. O massacre em Alcaçuz, em 2017, quando integrantes dos PCC mataram 27 membros do Sindicato, foi crucial para o surgimento da inimizade entre as facções.

No Sudeste, outras facções em atividade também exercem influência, como a Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro, Primeiro Comando de Vitória e Trem Bala. No Rio de Janeiro, além do crime organizado, existem as milícias, que também são grupos criminosos, mas com algumas diferenças. A principal delas é que as facções estão ligadas a presídios, enquanto as milícias possuem ligação com agentes da polícia. No Norte, PCC e CV estão presentes em todos os Estados, disputando o controle com facções regionais. Quem mais se destaca fora as duas é o grupo amazonense Cartel do Norte (antiga Família do Norte). No Nordeste, a situação é similar. Em Alagoas, Ceará, Sergipe, Tocantins e Rio Grande do Norte, as duas principais mantêm a rivalidade e ainda enfrentam outros grupos locais. No Centro-Oeste, região importante por ser caminho do tráfico de drogas com outros países da América do Sul, o CV controla o Mato Grosso, enquanto o PCC tem o poder no Mato Grosso do Sul. No Sul, as facções locais costumam se aliar a paulistas ou cariocas, tendo recentemente inaugurado nova rota para o tráfico internacional de cocaína, visando chegar aos portos uruguaios e argentinos.

Em entrevista ao portal da Jovem Pan, Leandro Piquet, coordenador acadêmico da Escola de Segurança Multidimensional da USP, explicou a ascensão do PCC, dizendo que, além do sistema de recrutamento, o grupo propôs um comando diferenciado e descentralizado. “O PCC é não só o maior como o mais inovador de todas as organizações criminosas do Brasil. O sistema de recrutamento, filiação e comando é extremamente inovador, não só no Brasil. Talvez seja a maior gangue prisional do mundo. O mais interessante é que qualquer um pode se tornar membro do PCC, basta ser ‘batizado’ nas quebradas ou nos presídios. O número de filiados cresce sem parar. Depois de batizado, cada infrator toca o seu próprio negócio. Formam-se grupos independentes dentro da grande organização criminosa, que oferece as regras e a infraestrutura para vários negócios ilícitos. Mas cada grupo tem o seu ‘corre’. A soma de todos esses negócios cria um organismo vivo que tem um cérebro pequeno e limitado e um corpo gigante revestido por um tecido poroso por onde entram e saem produtos e serviços ilícitos e infratores de vários tipos. O PCC é forte porque é poroso, descentralizado e maleável. É uma grande inovação no mundo do crime”, destacou.

Esse destaque no mundo do crime leva a facção a elaborar planos ousados, como o de sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Segundo a investigação, tornada pública por decisão da juíza federal Gabriela Hardt, os criminosos trocaram informações sobre um suposto endereço do parlamentar, assim como informações sobre sua família. Além disso, foi cogitado uma ação contra Moro durante o segundo turno da eleição 2022. Segundo informações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público de São Paulo e da Polícia Federal (PF), a facção planejava usar o ex-juiz como moeda de troca por Marcola. Na última quinta-feira, 23, a PF divulgou que o grupo tinha acesso ao sistema de monitoramento de câmeras do governo de São Paulo. “Isso permite a eles agir com desenvoltura na prática de crimes, pois conseguem identificar veículos das forças de segurança”, diz texto da representação policial, assinada pelo delegado Martin Bottaro Purper.

Quem já está na mira do PCC há um bom tempo é o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que defende a integração das polícias no combate ao crime organizado. “O crime não tem mais fronteiras. Essa facção está presente na América do Sul, na Europa, nos Estados Unidos. Tenho participado de congressos com policiais estrangeiros que estão preocupados com o aumento de poder do PCC. É preciso agir de maneira integrada nesse país. Isso que eu espero”, disse em entrevista ao programa Linha de Frente, da Jovem Pan News. “Esse plano está em andamento desde o ano passado. Não podemos cravar se seria um atentado ou sequestrar o ex-ministro [Sergio Moro]. Isso é planejamento dessa organização que, desde 2019, está insatisfeita de permanecer isolada nas unidades federais, porque o PCC tem perdido poder. Tanto que, em São Paulo, não tivemos ataques ou grandes rebeliões depois de 2006. A primeira ordem era para o resgate de Marcola, que chamaram de Plano A, que veio por água baixo. Veio o Plano B, que era o atentado contra agentes públicos. Ou seja, se não conseguissem sair do sistema federal, iriam retaliar o Brasil inteiro. Esse plano tem seis meses de andamento”.

Violência como ferramenta

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no segundo semestre de 2021, foram registrados conflitos violentos dentro dos presídios em 11 Estados. Nas ruas, outras nove unidades federativas registraram episódios de confronto. Em alguns locais, a rivalidade chega a ser maior dentro do sistema prisional do que fora, mas casos como o de Rondônia mostram que ninguém está seguro, seja dentro ou fora da cadeia. Lá, pessoas que moram em um bairro controlado por uma facção podem ter problemas se precisarem ir a lugares controlados por outras. Piquet destaca que os grupos criminosos usam a violência como forma de garantirem territórios, negócios e até como forma de punições e cobranças. “Para intimidar a polícia e o Estado, a violência é a linguagem básica dessas organizações. Por isso, organizações criminosas precisam se armar continuamente. O ‘gasto militar’ com homens e armas é contínuo e custa muito caro. A instabilidade é a regra. A violência se dá nesse contexto, como ocorria nas sociedades tribais sem Estado. Eles estão sempre em guerra com seus vizinhos. A violência entre organizações criminosas não tem limite”, explica o especialista.

Situação varia em cada Estado

Questionado sobre o “Salve Geral” de 2006, quando o PCC botou terror em São Paulo com um toque de recolher e entrou em guerra com as forças de segurança, Piquet destacou que os Estados enfrentam as realidades das facções de maneira diferente e que a insurreição de 2006 “custou muito caro” para o grupo chefiado por Marcola. Entretanto, ele ressalta que o Rio Grande do Norte vive hoje uma própria versão do “Salve Geral”. No Rio, facções e milícias também se enfrentam, mostrando que não existe uma resposta nacional para o tema. “O Rio Grande do Norte está enfrentando um ‘Salve Geral’. As organizações criminosas em disputa estão se enfrentando onde podem e, ao mesmo tempo, tentam intimidar as polícias, o sistema prisional e a sociedade. No Rio, milícias e organizações do tráfico de drogas se enfrentam. Seria preciso construir muitos cenários, levando em conta as realidades estaduais, para explicar o que pode acontecer. Não existe uma síntese nacional possível nesse momento”, afirmou.

Mesmo com a situação variando, a forte presença do Estado, especialmente em comparação aos vizinhos, mostra que a sociedade brasileira ainda tem condições de vencer a disputa contra as facções. “Em certo sentido convivemos nacionalmente com a presença de organizações criminosas. A grande vantagem do Brasil com relação aos seus vizinhos é o fato de que temos um Estado relativamente forte e presente em todo o território nacional. Há muita tensão e disputa entre as instituições do Estado e a força econômica que exala desses mercados ilícitos. A sociedade e o Estado brasileiro ainda estão na luta. Podemos ganhar de fizermos as escolhas certas”, conclui Piquet.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here