A BR-232, tem 552 quilômetros de extensão, e embora a estrada continue com outro nome, BR-316, segue até o município de Araripina, na divisa com o Piauí
Por Leandro Machado/BBC News Brasil
Em Pernambuco, a proliferação de casos de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, tem diariamente percorrido o caminho em direção ao interior do Estado.
Mas, pelo menos por ora, o vírus segue uma rota em particular: ele afeta principalmente cidades próximas ou cortadas por uma importante rodovia federal, a BR-232.
O trajeto da doença por essa estrada não é uma mera coincidência, segundo pesquisadores que têm analisado a disseminação do vírus no Estado.
A rota do coronavírus pelo interior pernambucano segue uma lógica econômica, social e logística. Até esta sexta-feira (17/04), o Estado tinha 2.006 casos confirmados e 186 mortes.
As primeiras infecções surgiram no Recife no início de março, em bairros de classe média alta, como Boa Viagem e Jaqueira — até hoje eles ainda são os mais afetados em números absolutos.
“Recife tem um aeroporto internacional. A covid-19 apareceu primeiro nos hospitais particulares, com pacientes que haviam acabado de chegar da Europa”, explica Jones Albuquerque, pesquisador do Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE), órgão ligado às universidades federais de Pernambuco (UFPE e UFRPE) e que tem feito análises diárias sobre o cenário da doença.
Depois, o vírus se espalhou para áreas mais pobres e municípios da região metropolitana — em boa parte, ele pode ter chegado nesses pontos por meio de pessoas que trabalham em bairros ricos e moram na periferia.
Agora, uma segunda onda atinge o Estado: a interiorização da covid-19 para cidades pequenas e médias do início do sertão e do agreste pernambucano, como Arcoverde e Caruaru.
A maioria dos municípios com novos casos nas últimas semanas, ainda que eles sejam poucos em números absolutos, está localizada no entorno da BR-232.
A rodovia federal, que tem 552 quilômetros de extensão, corta Pernambuco do litoral ao sertão — do Recife à cidade de Parnamirim —, embora a estrada continue com outro nome, BR-316, até o município de Araripina, na divisa com o Piauí.
“A BR-232 é o nosso grande distribuidor de coronavírus”, diz Albuquerque.
Pesquisadores e médicos apontam dois cenários que podem ter influenciado essa interiorização.
O primeiro diz respeito a uma característica social do Estado. “As classes mais abastadas do Recife têm casas de veraneio em cidades do interior que são cortadas pela BR-232, ou estão próxima a ela”, explica o médico José Luiz de Lima Filho, diretor Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), da UFPE.
“Então, há esse trânsito de pessoas que saem do Recife para essas cidades no fim de semana ou feriados. Se algumas delas estavam infectadas, mesmo que assintomáticas, podem ter levado o vírus para os municípios menores e passado para outras pessoas”, diz Lima Filho.
Segundo os pesquisadores, outro fator que pode ter contribuído foi a suspensão das aulas de todas as universidades do Recife — públicas e particulares —, no dia 8 de março. Boa parte desses estudantes vem do interior e, sem aulas, eles voltaram para suas cidades de origem.
“A suspensão foi uma ótima medida, pois ocorreu bem no início dos casos no Estado. Se isso não tivesse ocorrido, é provável que mais alunos tivessem se infectado, o que aumentaria mais os casos e a capacidade de transmissão da doença”, diz Albuquerque.