Por Folha de São Paulo
Em mais um fracasso da articulação política do governo, o Congresso Nacional aplicou nesta terça-feira (28) um pacote de derrotas ao presidente Lula (PT), em votações que tiveram ampla dissidência entre partidos aliados.
No ponto mais polêmico, que contou com empenho do governo em negociações nas últimas semanas, os parlamentares derrubaram o veto de Lula a trecho da lei que acaba com as saídas temporárias de presos.
A decisão do petista mantinha a autorização para detentos visitarem familiares em datas comemorativas, mas acabou anulada com o voto de 314 deputados federais e 52 senadores.
Apesar de ministros terem sido destacados para tentar manter o veto de Lula, parlamentares afirmavam, sob reserva, que esse empenho estava aquém do necessário, já que o projeto é caro para bancadas expressivas no Congresso, como a da bala.
Os congressistas mantiveram ainda veto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), barrando a tipificação do crime de “comunicação enganosa em massa”, que constava em texto aprovado em 2021 que substituiu e revogou a Lei de Segurança Nacional.
A votação foi encerrada na Câmara dos Deputados com 317 votos a 139 a sob os gritos de “Lula ladrão, seu lugar é na prisão” —houve 118 votos a menos que o necessário para reverter a vontade de Bolsonaro.
O dispositivo vetado por Bolsonaro previa multa e pena de um a cinco anos de prisão para quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
Bolsonaro atuou para evitar a derrubada dos vetos e, na semana passada, participou de um almoço da bancada ruralista e pediu para que os deputados e senadores presentes tentassem impedir mudanças.
A esquerda tem tamanho minoritário na Câmara e no Senado, mas Lula buscou formar sua base de apoio distribuindo ministérios a partidos de centro e de direita, em um primeiro momento para União Brasil, PSD e MDB —cada uma das legendas têm três representantes na Esplanada.
No ano passado, Lula fez uma reforma ministerial, abrindo espaço no primeiro escalão para o PP e o Republicanos, numa tentativa de consolidar sua base na Câmara.
Isso lhe deu uma folgada maioria no papel, mas, na prática, a fragilidade de sua base de sustentação é constantemente demonstrada em votações no Congresso.
O mapa de votação na derrubada do veto sobre as saidinhas mostra traições em todos esses partidos, principalmente na União Brasil, cuja bancada de 58 deputados votou em peso contra Lula —o petista teve o apoio apenas de Daniela Carneiro (RJ), sua ex-ministra do Turismo, que deixou o cargo justamente para acomodar outras forças dentro da legenda.
O PP de Arthur Lira (AL) também apoiou majoritariamente a derrubada do veto de Lula —43 votos contra 7 que, embora não tenham votado a favor do Planalto, se ausentaram.
Republicanos e PSD também se posicionaram majoritariamente contra Lula. Só o MDB registrou uma maioria apertada pró-governo.
O único êxito de Lula na sessão do Congresso desta terça foi a manutenção do veto à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que, se derrubado, ampliaria o poder do Legislativo sobre o orçamento federal.
Essa vitória, porém, só ocorreu após o governo ceder antecipadamente ao centrão uma fatia bilionária das emendas parlamentares a tempo das eleições municipais.
Um membro do governo, no entanto, minimizou sob reserva os resultados da sessão. Ele disse que o Executivo tinha como questão central a manutenção do veto ao cronograma de emendas na LDO e que as demais derrotas já estavam precificadas.
No caso do veto da saidinha, porém, o próprio Lula afirmou a ministros e líderes do governo que a manutenção do veto era prioridade e pediu empenho na articulação política.
Para derrubar um veto presidencial, é preciso o apoio da maioria absoluta na Câmara dos Deputados (257 votos dos 513) e no Senado (41 votos dos 81).
Em outra derrota de Lula desta terça, a oposição conseguiu apoio da maior parte dos partidos de centro e de direita para manter na Lei de Diretrizes Orçamentárias diretrizes que fazem parte da agenda de costumes do bolsonarismo.
Em dezembro do ano passado, os congressistas aprovaram dispositivos que, entre outras coisas, impediam o Executivo de incentivar e financiar atos como invasão de terra, cirurgias em crianças para mudança de sexo e realização de abortos não previstos em lei.
Lula vetou esses trechos, mas o Congresso os recolocou nesta terça, também por ampla maioria —339 votos a 107 na Câmara e 47 a 23, no Senado.
A articulação de Lula no Congresso é comandada formalmente por Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais e desafeto do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Além dele, formam o time o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), o líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e o líder na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Como a Folha mostrou, a atuação de Randolfe tem sido criticada por parlamentares. As queixas não são restritas a membros da oposição. Nos bastidores, parlamentares da própria base do governo se mostram insatisfeitos com o que classificam de falta de traquejo político do senador.
Durante a votação do veto das saidinhas, nesta terça, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) disse que o combo de resultados impunha uma derrota “de lavada” no Palácio do Planalto.
“É um dia que realmente devemos parabenizar a liderança da oposição e da minoria, tanto no Senado quanto na Câmara, pelo belo trabalho. Parabéns à minoria e oposição que hoje fazem um dia histórico dando uma lavada no governo”, afirmou.
No Senado, até mesmo a senadora professora Dorinha (União Brasil-TO), uma das vice-líderes do governo na Casa, orientou a bancada da União Brasil a acabar com as saidinhas —contrariando a orientação de Lula.
A senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB), outra vice-líder do governo do Senado, também votou contra o Palácio do Planalto e ajudou a encorpar o placar desfavorável de 52 a 11.
“Foi muito mais do que vetar as saidinhas. Foi um grito ao governo Lula: não às pautas da esquerda e ouçam o Brasil”, escreveu nas redes sociais após a votação o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do Progressistas e ex-ministro de Bolsonaro.
Um líder da base governista de Lula na Câmara diz, sob reserva, que o resultado da sessão do Congresso desta terça precisa provocar uma mudança de postura no Executivo que, nas palavras dele, “precisa acordar”.
No fim do dia, Lira minimizou as derrotas do governo na sessão e disse que é difícil que os parlamentares mudem de posição sobre um tema após votações expressivas nas Casas. Ele afirmou que o governo “se esforçou”.
“O governo conseguiu vitórias na questão do Congresso, retardou o máximo que pôde tentando dialogar, mas infelizmente determinados assuntos ultrapassam, inclusive, a persuasão de líderes nas suas bancadas. Os temas que foram tratados hoje são exemplos disso”, disse à imprensa.
O presidente da Câmara afirmou que preza pela independência e harmonia entre os Poderes e que cada um deve cumprir sua função constitucional, com “diálogo acima de tudo”.
“Não posso analisar como derrota nem vitória, porque seria uma derrota para o parlamento modificar um texto que o próprio parlamento aprovou”, disse.