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Condenação que tira direitista da disputa presidencial na França é vista como excessiva e alimenta suspeita de julgamento político

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Foto: reprodução

Por Estadão

A condenação de Marine Le Pen pela Justiça criminal detonou na já conturbada política francesa um choque sísmico que reverberará com cada vez mais força até as eleições de 2027. Le Pen, líder do partido da direita radical Reunião Nacional, o maior no Parlamento, três vezes candidata à Presidência e favorita nas próximas eleições, foi condenada a quatro anos de prisão e cinco de inelegibilidade.

Imediatamente abriu-se uma clivagem ideológica: correligionários denunciam “perseguição judicial”, opositores celebram o “império da lei”. Mas entre a névoa da guerra é indisfarçável a hipocrisia de ambos os lados, e tiros pela culatra que ferem a sua legitimidade e debilitam os alicerces da República francesa.

Le Pen, 8 ex-eurodeputados e 12 assistentes foram acusados de empregar, entre 2004 e 2016, € 4,1 milhões em recursos do Parlamento Europeu destinados a assessoria parlamentar para financiar funcionários do partido. A base da condenação foi uma lei anticorrupção aprovada em 2016 conforme os ditames punitivistas da direita: endurecimento das penas, “tolerância zero”, caça aos corruptos, moralização da política. Os partidários de Le Pen, acostumados a recriminar a leniência dos juízes, agora acusam seu rigorismo.

Na esquerda, as palavras de ordem são a “igualdade de todos perante a lei” e a “independência do Judiciário”. Mas há indícios de severidade seletiva. Adversários de Le Pen no centro e na centro-direita, como o primeiro-ministro François Bayrou e o ministro da Justiça, Gérald Darmanin, mas também seu principal antagonista na esquerda, o radical Jean-Luc Mélenchon, denunciam um ativismo judicial. Mais do que respeito à soberania do povo, pode haver outras motivações, como o envolvimento desses políticos em irregularidades similares às de Le Pen.

Mas há outros indícios. Os juízes aceitaram todas as demandas maximalistas do Ministério Público, mas nos precedentes judiciais as condenações não foram tão duras. Políticos do Movimento Democrático, partido centrista de Bayrou, por exemplo, foram sentenciados em casos similares com penas mais brandas.

O que torna a sentença de Le Pen particularmente vulnerável à acusação de interferência política é a antecipação da execução da pena. Habitualmente, a condenação só deveria produzir efeitos após uma decisão em segunda instância. A primeira instância pode determinar execuções provisórias, mas só em circunstâncias excepcionais, como riscos à ordem pública, de reincidência ou de danos à instrução penal. Juristas críticos à decisão apontam que não havia nenhuma dessas condições, e a regra teria sido subvertida por uma exceção injustificável. Le Pen certamente vai recorrer da decisão, e o tribunal que julgará seu recurso informou que pode fazê-lo a tempo de permitir que ela se candidate, caso ganhe a apelação. Menos mal.

Para a corte que condenou Le Pen, os atos da líder direitista representam um “ataque sério e duradouro às regras da vida democrática”. Jordan Bardella, de 29 anos, líder do Reunião Nacional, pupilo de Le Pen e cotado para eventualmente substituí-la na corrida presidencial, disse, por sua vez, que a democracia francesa está “sendo executada”.

Pela lei francesa, os crimes pelos quais Le Pen foi condenada justificam a inabilitação política. Mas pela jurisprudência francesa essa inabilitação só deveria ter efeito após esgotados os recursos na segunda instância. Assim, é natural a suspeita de que o processo legal foi distorcido para alijar da disputa eleitoral uma liderança extremista, em nome da proteção da democracia.

Seja como for, a decisão pode ser um tiro pela culatra, que tende a reforçar o vitimismo populista de Le Pen contra um establishment supostamente alienado e hostil à vontade popular, e radicalizar ainda mais a política francesa. Não surpreende que lideranças autoritárias de todas as partes – de Donald Trump a Vladimir Putin, de Jair Bolsonaro a Viktor Orbán – tenham atacado a decisão do Judiciário francês. Mas os magistrados franceses tampouco terão o direito de se surpreender se crescer na população a desconfiança formulada por uma dessas lideranças, o italiano Matteo Salvini: “Aqueles que temem o julgamento dos eleitores frequentemente buscam conforto no julgamento das cortes”.

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