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Chuvas levam esperança ao Sertão de Pernambuco

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A transformação no cotidiano é reflexo de um momento animador que reforça a agricultura, a pecuária e a pesca do povo sertanejo

Por: Marcos Toledo – Folha de PE / Foto: Brenda Alcântara

IGUARACI, AFOGADOS DA INGAZEIRA, FLORES, TRIUNFO E SERRA TALHADA (PE) – Em Pernambuco, quem pega a estrada do litoral ao Sertão constata uma vegetação viva, açudes cheios, barragens sangrando. No céu, nuvens carregadas dão uma nova esperança de um período de chuva ainda mais prolongado após seis anos de uma rigorosa estiagem. Especialmente para o povo sertanejo, que convive com secas históricas desde que se tem registro, há 300 anos. O quadro geral ainda se apresenta aquém do mínimo ideal, segundo as autoridades, com base nos números que trazem muitos reservatórios em situação de colapso. Contudo, a mudança na qualidade de vida já é visível. Locais que chegaram, literalmente, ao fundo do poço, sem uma gota de água da natureza, apenas com o chão seco, mostram o reaparecimento tímido do armazenamento e de toda a vida que o cerca – plantas, animais, seres humanos; e acolá uma fartura inimaginável há até poucos meses. Uma transformação no cotidiano de milhares de pessoas, que diretamente vai do consumo doméstico a atividades econômicas como a agricultura, a pecuária, a pesca e até mesmo o turismo, e, indiretamente, pode-se dizer que é incalculável.

A Folha de Pernambuco visitou uma das principais regiões onde essa transformação se mostra latente: o Sertão do Pajeú. Do semblante dos moradores, que tratam do assunto sempre demonstrando grande satisfação, passando pela beleza dos flamboyants e ipês em flor, até as pequenas plantações de milho e palma em cada pequena propriedade. A impressão de que alguém pegou um desenho feito em grafite e o preencheu com uma aquarela. Ou como se o céu houvesse derramado na região uma paleta de cores. Até o calor parece haver entendido a proposta e se mostra mais ameno – bem diferente daquele sol quente de lascar dos idos mais áridos. Mesmo nos lugares menos beneficiados, a esperança parece algo concreto, palpável. Natural de Tabira, a agricultora Ana Maria, 56 anos, conta que foi morar com o marido e quatro de seus seis filhos em uma propriedade do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) ao lado do reservatório do Rosário, no município de Iguaraci (a 355 km do Recife), há quatro anos. Desde então, o armazenamento no local caiu, ano a ano, de 12% da capacidade para 4% em 2015 e, depois, estacionou em 0%.

As chuvas deste ano não aumentaram quase nada o nível da barragem, porém, foi suficiente para mudar a paisagem, que levou de volta a vegetação e animais de pequeno porte. E, para Ana Maria, sustentaram a roça. “Estava seco, uma situação triste”, lembra a agricultora. “Para beber água tínhamos que ir buscar longe. Botávamos água do poço, salgada [salobra]. Mas o feijão ficava duro.” Em 2017, ainda segundo Ana Maria, “deu só uma trovoadazinha”. A família plantou, entretanto, perdeu tudo. “Agora, nós temos roça. Temos quase milho verde e o feijão está querendo ficar maduro”, comemora. “Plantamos e está nas mãos de Deus. E vai chover mais, até maio”, acredita. “Este ano vai ser bom de inverno. Se Deus quiser.”

Extravasando

O reservatório do Rosário, com capacidade para cerca de 35 milhões de metros cúbicos de água atingiu algo em torno de 1%. Isso se deve, principalmente, porque depende da afluência de alguns riachos. Situação bem diferente das barragens por onde passam as águas da bacia hidrográfica do rio Pajeú e extrapolaram o limite de armazenamento, a exemplo de Brotas, no município de Afogados da Ingazeira (a 380 km do Recife); Poço Grande, em Flores (a 384 km da Capital); e Jazigo, em Serra Talhada (a 412 km). Brotas, com capacidade para quase 20 milhões de metros cúbicos de água e sangrando como está, tornou-se sinônimo de fartura. Reativou a pesca local e virou atração turística. A mureta de proteção na crista (topo) da barragem ganhou a função de um mirante para a imensidão do reservatório. Nos fins de semana, a área jusante se transforma em um espaço de lazer para a população. O frisson é tão intenso no local que, no último dia 12, a prefeitura reforçou tanto a segurança, com a presença de guardas municipais, quanto a sinalização, colocando placas com alertas sobre risco de queda e de acidente e com proibição de banho, salto e mergulho.

Nascida em Carnaíba, a dona de casa Vera Lúcia Félix da Silva, 50, mora ao lado do reservatório de Brotas, há 20 anos, com seu companheiro, o pescador Amadeu Estevão Neres, 70, com quem tem uma filha, Maria de Lourdes da Silva Estevão, 8. Vera Lúcia ainda ajudou a criar seis enteados de dois casamentos anteriores de Amadeu. Ela também foi pescadora e deixou a atividade por problemas de saúde. “Agora, só faço as malhas [tarrafas]. Quando meu marido não compra pronta, ele traz as linhas e eu faço as redes”, explica. Tanto esforço, porém, vinha sendo empregado quase em vão nos últimos anos. “Em 2016, a barragem secou e ficaram só poças d’água”, recorda. No ano passado, ainda segundo ela, começou a melhorar e, há três meses, o volume subiu para valer. “Melhorou a pesca e a água que ninguém tinha aqui”, celebra Amadeu. “Traz de bom muita água, peixe. Agora, se planta demais – verduras, legumes”, acrescenta. Mesmo com uma capacidade bastante inferior a Brotas, com apenas 1,5 milhão de metros cúbicos de água, o reservatório de Poço Grande, em Flores, tem feito a diferença para agricultores e pescadores, além de mudar radicalmente o cenário da região. O trabalhador rural Ailson Francisco de Carvalho, 49, sai de Carnaíba para pescar no Poço Grande. “Em 2017, aqui não se encontrava água de jeito nenhum. Chegaram a cavar com PC (tipo de escavadeira) no centro desta barragem e não encontraram”, lembra. “A chuva começou em janeiro. Deu uma parada. Aí em março choveu bem e começou a sangrar. E agora em abril está chovendo bastante.” Nos seis anos de estiagem, de acordo com Ailson, foi só sofrimento. “Foi uma vida mais sofrida do que a gente já sofre. Porque a gente trabalha, planta para colher. E vive do que colhe. A gente plantava e, quando o milho estava bem bonito, na forma de dar, não chovia mais. Você ficava bem pertinho de colher, mas não colhia nada, porque não vinha chuva. Perdia por completo”, lamenta. “Para sobreviver, aqui no Sertão não deu. Eu fui cortar cana dois anos no interior de São Paulo”, conta.

Ailson, que é casado e tem três filhos, só vê tudo melhorando daqui para a frente. “Tem o peixe. O agricultor colhe. Melhora cem por cento. E compra barato. Um quilo de feijão deu R$ 10. Hoje, com a chegada da chuva deu R$ 2. Já facilitou tudo”, exemplifica. No momento em que extrapola sua capacidade máxima de mais de 15,5 milhões de metros cúbicos de água, a barragem de Jazigo, em Serra Talhada, também trouxe uma felicidade inesperada para os habitantes da região. “É uma riqueza incalculável. Sem chuva, nós não temos nada”, atesta Cipriano Tenório, 60, que atua como agricultor no município desde 1990. “Com chuva, principalmente com água acumulada, temos a possibilidade de irrigar, temos frutas, pasto para o gado, verdura. Tudo facilita para nossa vida”, diferencia. Hoje, o otimismo de Cipriano se projeto para algo em torno de uma década. “Teremos oito a dez anos de inverno regular”, estima. “Haverá algumas regiões que choverá abaixo e acima da média. Mas, no geral, sempre haverá lavoura que possa ajudar o homem do campo”, acredita.

Oásis

Esse Sertão que se transforma e é, ao mesmo tempo, transformador na vida das pessoas, visto mais de perto possui mais características surpreendentes e peculiaridades do que se é possível imaginar. E lá, no alto da serra do município de Triunfo (a 402 km do Recife), encontra-se o reservatório de Brejinho que não nos deixa mentir. Além de pequenos riachos e das chuvas, o pequeno Brejinho, com capacidade de armazenamento de 244 mil metros cúbicos e que também está sangrando, é abastecido pelas águas retidas no lajedo em períodos de precipitação e que minam mesmo em época de estiagem. O volume vertido beneficia diversos sítios da cidade e outros municípios até desaguar no rio Pajeú, tal qual as águas dos demais reservatórios, que em seguida vão despejar no rio São Francisco e vão bater no meio do mar, como narra a famosa canção “Riacho do Navio”, de Luiz Gonzaga & Zé Dantas. “Na maioria desses sítios, os carros-pipa do Exército faziam a supressão da falta d’água”, lembra o agente de saneamento Natalício Viana da Silva, 59, que mora ao lado da barragem. “Aqui na nossa região é mais cacimba. Todo dono de sítio praticamente tem uma cacimba no leito do riacho.” “Amanhã (ontem) vai fazer oito dias que começou a chover e a sangrar a barragem”, recorda a agricultura Maria Aparecida Pereira Viana, 42, irmã de Natalício. “Aqui, graças a Deus, nunca faltou água”, diz ela que, assim como os demais agricultores da região, voltou a plantar milho, feijão e cana-de-açúcar com mais intensidade devido ao aumento das chuvas.

Outra atividade beneficiada no local é o turismo, um dos pontos fortes de Triunfo. “Nosso município está verde, tem muita água na cachoeira. Aqui embaixo tem a cachoeira do Pinga, que é um ponto turístico”, menciona Maria Aparecida. “Não falta gente. Domingo mesmo estava muito movimentado o sítio. A estrada aqui não tinha como passar. [Durante a estiagem] ficou seca mesmo. Ficou só pingando no lajedo. Mas, nas quedas d’água, não tinha como”, atesta. Agora os irmãos estão na expectativa de as chuvas sejam suficientes para manter as barragens no nível máximo. “Aqui a gente tem cacimbas e não sofre tanto com a falta d’água”, afirma Natalício. “Quando vier faltar água aqui, em outras regiões não vai ter nem gente viva e nem bicho, porque nossa região é rica d’água.” O agente de saneamento explica que, mesmo quando Brejinho entrou em colapso total, se alguém cavasse o chão encontraria água. “Teve gente por aí no Sertão que cavou poço artesiano, chegou a 100 metros [de profundidade] e não conseguiu água. É uma cidade rochosa, mas a água é sempre fácil de conseguir. É um oásis no Sertão.”

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