Por Alexandra Moraes* – Folha de São Paulo
Num espaço de dez dias, a Folha publicou três entrevistas com o ex-presidente Michel Temer. E, em três dias, distribuiu em cinco pedaços uma entrevista com o também ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente inelegível até 2030.
Em um determinado momento, fatias de “diz Bolsonaro” eram intercaladas com camadas de “diz Temer”, e a Folha oferecia ao leitor uma lasanha esquisita após a nova eleição de Donald Trump.
Publicadas com pouco mais de duas horas de intervalo, “Temer diz que não será vice de Bolsonaro pois já saiu da vida pública” e “Não acredito que eleição de Trump influencie o STF, diz Temer sobre caso Bolsonaro” se sucediam nos destaques da Folha. Eram resposta a “Bolsonaro diz que vitória de Trump é ‘passo importantíssimo’ para volta ao Planalto e cita Temer vice” e às especulações do bolsonarismo sobre tornar seu capitão candidato em 2026, que também circulavam pelo site do jornal. E essas declarações de Temer vinham na semana seguinte a uma outra entrevista, em que dizia que o governo Lula “não tem projeto para o país”.
Temer, segundo um dos textos gêmeos, “classifica de ‘brincadeira’ informações que circularam de que ele poderia ser vice de Bolsonaro caso ele revertesse sua inelegibilidade. ‘Achei esquisitíssimo’.”
Não foi só o ex-vice de Dilma que achou esquisitíssimo. Leitores do jornal também acharam —tanto o caso em si quanto a superexposição dele na Folha. A informação, ou especulação, sobre a suposta chapa bolsotemer circulara num blog dias antes e chegava ao jornal praticamente naquele instante contada pelo próprio Bolsonaro, instado a comentar o rumor.
A entrevista de Bolsonaro foi fatiada em cinco títulos e, por isso, ganhou sobrevida ao longo de três dias no site do jornal. O fatiamento de uma reportagem é uma via de mão dupla: se por um lado tem a tarefa pouco nobre mas importante de “render cliques”, por outro também pode facilitar a vida do leitor com textos menos longos e mais segmentados.
Mas o veneno, como sempre, é o excesso. Picado demais, o material soa repetitivo ou incompleto.
Bolsonaro, que desde que deixou o poder passou a falar com a Folha sem a animosidade característica de seu período no Planalto, conseguiu espaço e títulos para se derreter sobre seu “crush” em Donald Trump e reafirmar sua liderança na direita após a passagem do furacão Pablo Marçal. Aproveitou para desafiar o STF a devolver seu passaporte para ir à posse de Trump e para ventilar a fofoca que colocaria seu nome, mesmo inelegível, numa dobradinha para disputar a presidência já em 2026. Ele emenda um “não sei se é verdade ou não, eu não falo sobre esse assunto” para entregar o bilhete: “É o [Michel] Temer [MDB] de vice”.
O “estar na mídia” a que Bolsonaro se referia era o Blog do Esmael, que parece não ser exatamente íntimo dos leitores da Folha. E, até aquele momento, o papo de chapa bolsotemer tampouco havia aparecido no jornal.
A Folha lembrava o papel nada pequeno de Temer ao ter indicado Alexandre de Moraes ao STF e ao ter feito “ponte” com o ministro a favor de Bolsonaro em 2021. Mas teria sido útil um contexto menos sutil sobre os movimentos da mão do emedebista e os recados que Bolsonaro tentava empurrar.
“Essa história de Bolsonaro candidato a presidente e Temer vice é demais. Como dar título a uma história que é morta na origem? Se Bolsonaro não pode ser candidato, como Temer pode ser vice? Por que a Folha atiça esse tipo de coisa?”, pergunta um leitor.
“É lógico que há interesse público em saber como um dos maiores nomes da oposição enxerga o atual momento político. Mas disso para promover o discurso dele, na manchete, sem qualquer ponderação, é completamente absurdo”, diz outra leitora.
O jornal chegou a publicar um outro texto em que contextualizava como a ideia de redenção de Bolsonaro esbarrava em decisões improváveis e quanto ela tinha de pensamento mágico.
Mas, mais uma vez, o fatiamento prejudicava, sobretudo no site, a leitura do material como um todo. Numa história cheia de nuances e esquisitices como essa, seria importante tornar mais claro o contraditório e dosar melhor o pinga-pinga das declarações.
Deixar de noticiar a movimentação e as opiniões dos ex-presidentes, porém, não seria uma opção no jornalismo. No país em que a um dia todo-poderosa Lava Jato virou pó, é saudável não duvidar de nada (e duvidar de tudo).
*Jornalista e quadrinista, é ombudsman da Folha. Já foi secretária-assistente de Redação, editora de Diversidade e editora-adjunta de Especiais e Ilustrada.