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Aliado diz que Marilia Arraes vai engolir Armando Monteiro e Paulo Câmara

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As premissas políticas da era ‘pós-golpe’

Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog

A poucos dias da data limite das convenções partidárias das eleições de 2018, o PT nacional vive um aparente dilema tático, relativamente às alianças com os demais partidos. Trata-se da antiga ponderação quanto ao custo-benefício das eventuais coligações no plano estadual, sempre com um olho estratégico na esfera da disputa presidencial. Golpeado desde 2016, nas pessoas dos seus líderes e no casuístico afastamento do exercício da Presidência da República, o partido calcula seus lances não apenas para sair fortalecido na resistência ao golpe de Estado e seus efeitos, mas sobretudo para (re)alinhar seu projeto de poder político e social.

Até aqui, nada de novo no front. No entanto, quem lançar os olhos sobre alguns dos conflitos que permeiam as indefinições petistas em vários estados brasileiros, poderá perceber um fenômeno político-ideológico que é menos tático do que de compreensão sobre a natureza da luta travada e o quanto ela tem a ver com um tipo de prática e pensamento político os quais, creio, o país pós-golpe progressivamente vai enterrar. Se é possível derivar o todo pela parte, vamos aqui tentar uma análise desse fenômeno a partir do caso de Pernambuco, que me parece paradigmático sobre a dimensão dissociativa entre o real e o aparente, na qual algumas lideranças petistas perdem-se como se percorressem um labirinto mitológico.

A primeira premissa da nossa análise afirma que estas eleições deverão marcar uma ruptura do antigo padrão de fazer política, estruturado pelo compadrio local e nos termos redutores exclusivos dos interesses de grupos e/ou lideranças na busca do voto popular. A segunda assertiva dispõe que as agendas políticas (sejam de esquerda ou de direita) serão avaliadas numa perspectiva ideológica mais radical pelos eleitores de maior grau de escolaridade e renda. E a terceira premissa defende que as coligações ideologicamente mais convergentes por meio dos seus candidatos majoritários (aos governos estaduais e ao Senado da República) obterão mais votos, em termos proporcionais ou absolutos.

Em relação à premissa 01, uma parcela do PT pernambucano parece não enxergar os sinais (largamente disseminados nas redes sociais) de um processo de rompimento da velha práxis política alicerçada na articulação de interesses restritos, cuja perspectiva de poder é a manutenção do seu status quo ou a ampliação de sua presença na máquina pública da esfera municipal, estadual ou federal. Ainda que os grupos formuladores dessa visão se arvorem como intérpretes iluminados da tática eleitoral (sob o batuque das tendências e seus casacudos líderes), o que se observa é que os seus cálculos, pelo jeito, não consideram a dimensão propriamente política do processo da disputa como uma esfera social de novo tipo.

Ora, a ruptura a que me refiro deriva justamente de uma mutação nessa esfera. Uma ascendente massa eleitoral já se impõe ao processo político como sujeito ativo dessa nova espécie de Ágora grega na qual convergem / divergem em torno de suas agendas menos difusas do que aparentam. As lideranças que não enxergam o novo papel proativo desse eleitorado na conformação de redes virtuais e materiais (como militantes partidárias e/ou ativistas sociais), e imaginam decidir tudo sem dialogar “para fora” do espaço estrito do partido, serão atropelados inapelavelmente.

O caso da pré-candidatura de Marília Arraes ao governo estadual pode confirmar a premissa, sobretudo porque sua postulação se fortalece extramuros petistas, à medida que uma parcela maior do eleitorado começa a conhecer e discutir a querela. Somente a mais rematada teimosia poderia explicar a aparente incapacidade de algumas lideranças em não perceber que o caso Marília não é um fenômeno, e que a sua postulação não é mais uma decisão exclusiva do PT (nem como instituição em si, nem como problema de tática de cúpulas). A resistência ao golpe de Estado pariu um nome forte no PT, assim como tem gestado, no espaço dessa Ágora massivamente ativista, sujeitos políticos que não querem ser apenas meros votos na urna, nem os típicos carregadores de piano.

A nossa premissa 02 é contingente, dado que diz respeito ao provável caráter plebiscitário destas eleições. De todo modo, as pesquisas de opinião quanto às preferências eleitorais pelos candidatos majoritários começam a exibir dados que tendem a se consolidarem à medida que se conformam os palanques e fica mais nítido quais interesses e agendas se agrupam naqueles candidatos. Em momento mais oportuno, vamos analisar os dados gerais dessas pesquisas em Pernambuco (para o governo estadual), e no Brasil (para a presidência).

No caso de Pernambuco (e em especial do PT, PSB, PTB, PSDB, DEM e MDB), um indicador forte como critério de avaliação da tendência de voto plebiscitário será a posição de cada partido no processo do golpe parlamentar e midiático, mas ainda em curso na sua vertente jurídica (o parcial Moro e o pequeno supremo estão aí, sempre alertas para manter Lula na cafua). Mais do que nunca, a radicalização à esquerda e à direita em torno dos efeitos da derrubada da presidente Dilma e da assunção ao poder de tipos políticos toscos e venais, terá, nas urnas, uma espécie de “acerto de contas” ideológico. A velha direita tentará se legitimar pelo voto popular para construir o discurso de que “estava certa” em bancar a mais regressiva agenda social e política da história brasileira (nem o golpe civil-militar de 1964 foi tão entreguista e corrupto). A esquerda, obviamente, pretende uma vitória ampla e geral para demonstrar o acerto de sua resistência.

Essa radicalização em Pernambuco poderá dar margem a uma disputa na qual, não creio ser exagero cogitar, o próprio Paulo Câmara não tenha fôlego político para alcançar um eventual segundo turno. De fato, Câmara e o PSB (partido que encarna a quintessência do golpismo como o grande vendilhão da pátria aos interesses mais escusos da baixa política) correm sério risco de naufragarem ainda no primeiro turno, acaso um dos palanques de oposição seja liderado por Marília Arraes. Nem carne, nem peixe, o PSB e o governo Câmara parecem reunir tudo para se desmancharem sob a saraivada de críticas radicais: inoperantes, anódinos, arrivistas, oportunistas e medíocres; serão estas as mais suaves acusações oposicionistas.

Se, como presumo, a gigantesca maré montante dos votos radicalizados ocorrer (as pesquisas apontam o crescente apoio a Lula e a permanência de Bolsonaro, como segundo), Câmara e o PSB poderão ser varridos da disputa no primeiro turno. E, a depender da possibilidade de Lula ser candidato (ou, se não o for, pelo menos apoiar nos palanques Marília Arraes), não será surpresa se essa maré afogar também a coligação de Armando Monteiro, também no primeiro turno. Assim conjecturamos porque será impossível a Monteiro apresentar uma agenda de governo como “mudança” quando o “novo” do trio PSDB-DEM-PPS é justamente a agenda econômica e social desses partidos, a qual afundou, no plano nacional, a economia brasileira, brutalizou a classe trabalhadora e o pequeno empresário, além de cortar direitos e avanços sociais da população mais carente.

A premissa 03 deriva da anterior. No entanto, a homogeneidade ideológica num palanque não implica em voto automático. No máximo, ela potencializa a reunião de uma audiência maior em torno do discurso que envolve a agenda de governo/poder da coligação. Sem dúvida, o eleitor de perfil ideológico conservador tenderá a votar numa agenda de feição mais conservadora. Mas aqui temos justamente a interferência do quadro político radicalizado, onde serão avaliados os discursos e os seus atores políticos num plano mais aberto ou limpo, também pelo voto ideologicamente mediano (daquele agrupamento populacional essencialmente pragmático nas escolhas), em paralelo ao voto dito de “opinião”, à esquerda e à direita.

E é aqui que podemos vislumbrar quem vai compor a massa d’água da maré de votos que parece já se formar no horizonte eleitoral: aquele eleitor de perfil político-ideológico mediano, comum nas camadas assalariadas e classe média. Este eleitor será ou seria o fiel da balança. Seu voto provavelmente vai tender para as coligações com certo grau de convergência e coerência político-ideológica, mas também robustas para resistirem ao critério da escolha pragmática, calcada no exame do papel recente dos postulantes na era pós-golpe. Ou seja, não adiantará reunir a fina flor dos medalhões de sempre se os seus discursos não se sustentarem diante dos fatos sociais e econômicos. Pois ninguém se alimenta de ideologia, seja na esquerda ou na direita.

Roberto Numeriano é jornalista, professor e pós-doutor em Ciência Política. Também é candidato a deputado, pelo Avante

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