Por Folha de SP
Mensagens obtidas pela Folha mostram que Wellington Macedo, policial militar lotado no gabinete de Alexandre de Moraes no STF (Supremo Tribunal Federal), utilizou o órgão de combate à desinformação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para levantar informações sigilosas sobre uma pessoa que faria uma obra na casa do ministro.
As conversas entre o PM, responsável pela segurança de Moraes, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE, indicam o uso de banco de dados da Polícia Civil de São Paulo para as pesquisas de informações que não podem ser obtidas em plataformas de acesso público.
Foram acessados dados como endereço, telefone, filiação e histórico criminal do prestador de serviço.
Como mostrou a Folha, o PM também fez pedidos para a produção de relatórios ao setor de combate à desinformação do TSE. O uso da assessoria especial do TSE para questões relacionadas à segurança de Moraes está fora do escopo de atuação da estrutura do órgão.
A proteção de ministros do STF é de responsabilidade da Secretaria de Segurança do STF, formada por policiais judiciais e, quando necessário, reforçada com agentes de segurança de outras corporações, como a Polícia Federal.
No caso de ameaças a ministros, a praxe é que essa Secretaria de Segurança receba as informações e repasse para as autoridades competentes, seja a Polícia Federal ou as estaduais. Há a possibilidade de o próprio gabinete do ministro acionar a polícia diretamente com pedido de investigação por se tratar de suspeita de crime.
As mensagens que abordam o levantamento das informações indicam que os dados acessados eram sigilosos, o que contradiz a fala de Moraes no plenário do STF na quarta (14) quando ele afirmou que os dados solicitados pelo seu gabinete a AEED eram todos públicos.
Em 24 de fevereiro de 2023, o segurança do ministro encaminha o nome de uma pessoa e solicita que Tagliaferro levante a ficha criminal dele.
“Apenas se tem ou não passagem pela polícia”, pede o PM. “Boa tarde. De qual estado ele é? SP?”, responde Tagliaferro. “Ele é uma das pessoas que fará reforma no apt do Min”, afirma Wellington Macedo durante a conversa.
Cerca de uma hora depois do pedido, por volta das 16h30, Tagliaferro enviou um relatório intitulado “Consulta – Polícia Judiciária SP” e outro nomeado de “Registro Civil”.
Em seguida, ele encaminha também cópias de boletim de ocorrência em nome da pessoa indicada pelo segurança de Moraes.
Após encontrar um registro sobre um suposto homicídio na ficha criminal e levantar a possibilidade de ser um homônimo, Tagliaferro faz outras buscas e encontra informações sobre o processo e o cumprimento de pena pelo prestador de serviço.
“Excelente. Agora sim. Vou passar ao chefe”, diz o PM após receber as informações.
As mensagens que mostram os pedidos de investigação de Macedo ao órgão de combate à desinformação estão nos mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocadas via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro.
Os diálogos revelam um fluxo fora do rito envolvendo o STF e o TSE. O órgão de combate à desinformação da corte eleitoral foi utilizado como um núcleo alternativo de investigação para abastecer um inquérito do outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não com a eleição de 2022.
Em vários casos os alvos de investigação eram escolhidos pelo ministro ou por seu juiz assessor.
Os diálogos mostram também que os relatórios eram ajustados quando não ficavam a contento do gabinete do STF e, em alguns episódios, feitos sob medida para embasar uma ação pré-determinada, como multa ou bloqueio de contas e redes sociais.
Nesses áudios, o juiz auxiliar de Moraes demonstrou preocupação com a forma de atuação dos gabinetes do ministro. “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
Em nota, após questionamentos da reportagem, o gabinete de Moraes afirmou que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.
Tagliaferro afirmou que não se manifestará, mas que “cumpria todas as ordens que me eram dadas e não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade”.