Doença metabólica rara foi diagnosticada quando ele tinha 40 dias de vida.
Artur Bucar, de 13 anos, foi primeiro brasileiro com MSUD transplantado.
G1 Petrolina
O Natal é uma data tradicionalmente celebrada por muitos no dia 25 de dezembro. Este ano a data tem um significado diferente para uma família de Petrolina, no Sertão de Pernambuco. Após dez anos, o garoto Artur Bucar, de 13 anos, comemora o primeiro natal na cidade em que nasceu, após ser curado de uma doença rara. Morando nos Estados Unidos há dez anos, a família chegou em Petrolina no dia 18 de dezembro e celebra o nascimento de Jesus Cristo, como o renascimento da primeira criança brasileira com MSUD a ser transplantada.
Artur Bucar foi diagnosticado com Maple Syrup Urine Disease (MSUD), no Brasil conhecida como Doença do Xarope de Bordo, 40 dias após o nascimento, através de um teste do pezinho ampliado realizado em São Paulo. De imediato o tratamento foi feito alterando a alimentação, com uma fórmula especial, criada livre de aminoácidos e fabricada nos Estados Unidos. Inicialmente, para comprar a fórmula, os pais precisaram se desfazer de bens. Posteriormente, uma ação na justiça garantiu que a União arcasse com as despesas. Por ano, o Brasil pagava cerca de US$ 60 mil.
O transplante de Artur foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal
(Foto: Idário Santos / Aqruivo Pessoal)
A primeira vez que os pais, os engenheiros agrônomos, Soraya Bucar, de 45 anos e Idário dos Santos, de 47 anos, ouviram falar na cura para a MSUD, foi através do médico especialista em doenças raras, Kevin Strauss, depois de uma consulta na Pensilvânia. A solução encontrada para Artur, na época com três anos, era um transplante especial de fígado que custava US$ 225 mil. Com a ajuda do especialista e de uma fundação americana, o valor da cirurgia foi para US$ 65 mil, dinheiro que a família não tinha.
“O meu cunhando, que é advogado estudou o caso e disse que teríamos que ir através do Ministério Público. E assim nós fizemos. Nós ganhávamos em primeira instância, mas eles apelavam. Quando o caso foi para o Supremo Tribunal Federal, nós perdemos as esperanças, porque lá eles alegam que era questão de dinheiro. Mas na época, o ministro Nelson Jobim foi a favor da vida do Artur”, explicou Idário. Ali começava uma nova vida para a família que precisou ir para os Estados Unidos.
Da primeira avaliação até o transplante, passaram 45 dias. Após a cirurgia, Artur entrou em coma. Com dois meses na UTI, uma nova avaliação feita por Strauss, e com um tratamento específico, o estado de coma foi revertido. Com a melhora no quadro clínico, Artur foi transferido do hospital para um instituto de reabilitação. Mas segundo o pai, Idário, a cura completa veio depois que ele e o filho mais velho, Vinícius, hoje com 15 anos, realizaram o sonho do Artur de comer batata frita.
O Vinícius cantou a música preferida do irmão e foi quando o Artur sorriu e começou a cantar. Foi nesse momento que ele voltou a vida”. Idário Santos, pai
“Eu e o Vinícius começamos a bolar um plano, escondido na minha esposa, porque eu sabia que ela não iria permitir. Nós iriamos levar o Artur em uma lanchonete que ele gostava. Mas quando estávamos saindo, ela nos surpreendeu e tivemos que contar toda a verdade. Após muita luta, ela nós acompanhou”, disse. Com a comida a mesa, Vinícius cantou a música favorita do irmão: ‘Papagaio loiro de bico dourado’. “Foi nesse momento que o Artur voltou a vida. Ele começou a rir e a cantar também. E até ali, ele nem falava, não abria a boca, nem nada”, falou o pai emocionado.
Aos poucos, a vida da família passava por uma reestrutura. Idário começou a trabalhar como engenheiro ambiental. Vinícius já estudava desde que chegou aos Estados Unidos e Artur passou a frequentar o colégio assim que foi para o instituto. Com os estudos, ele aprendeu a falar três línguas: inglês, espanhol e português. Depois de muito tratamento e de uma cirurgia ortopédica para deixar os pés planos, os primeiros passos de Artur foram dados apenas aos 9 anos de idade.
Esse será o primeiro Natal de Artur em Petrolina junto com toda a família (Foto: Taisa Alencar / G1)
O retorno
Afastados 10 anos de Petrolina e da família, eles retornaram para a cidade na última sexta-feira (18) para celebrar as festas de fim de ano. Ainda no aeroporto, parentes e amigos os recepcionaram com faixas, cartazes e muita música. Curioso para conhecer a cidade onde nasceu, Artur visitou uma vinícola e teve contato pela primeira vez com o trabalho antes desenvolvido pelo pai. A visita se estendeu ainda ao Rio São Francisco, quando Artur tomou banho de rio pela primeira vez.
Para a família, o presente de Natal veio de forma antecipada. “A alegria é imensa, é tão grande, é uma satisfação. Quando eu fui visitar ele nos Estados Unidos, ele andava no andajar ou nas costas do pai. E hoje ele está andando, satisfeito”, relatou o avô Hilário Santos. “A alegria foi grande demais, porque a gente não sabia que ele ia chegar assim, correndo. Eu esperar ver ele menor, mas não. Artur chegou rindo, falando vovó, vovô e isso foi muito maravilhoso, apesar de tanto sofrimento” contou a avó Beatriz Santos.
Para Artur esse Natal está sendo diferente. “Lá [Pittsburgh] sempre tem muita neve, aqui não. É muito quente, pegando fogo”, disse sorrindo. Mostrando que conhece a tradição, ele falou de uma mudança nos últimos dias. “Agora estou dormindo no sofá. Porque antigamente quando eu dormia, o presente era colocado embaixo da cama”, falou. Já sobre o que quer ganhar do Papai Noel, Artur foi bem regional. “Vou querer uma sanfona para tocar”, contou entusiasmado.
Para o tio Ildecir dos Santos, este ano o Natal merece ser muito comemorado. “O que me deixou bastante comovido foi o renascimento do Artur. Não apagando a história dele, de perseverança, luta, persistência, dedicação e amor. Mas o renascimento é como se ele estivesse saindo da maternidade hoje com todo esse amor e carinho. É a reconstrução da família, que saiu destroçada no início da doença. E agora temos a certeza de que a família está realmente unida”, contou emocionado.
Mas para o irmão Vinícius, o melhor presente de Natal seria uma mudança no protocolo para tratar doenças raras no Brasil. “O que o Brasil não está fazendo para as crianças que tem doenças raras, é muito ignorante. Estão deixando de ajudar uma criança, destruindo uma vida e jogando fora. Artur é a pessoa mais inteligente que conheço, mas porque ele teve tudo isso. Mas, muitos, pela falta de um teste do pezinho ampliado, quase não tem vida. Pais estão sofrendo, o que não deviam sofrer. Crianças como eu, estão sofrendo muito. Não só os meninos morrem, mas os pais, os irmãos, a família”, desabafou.
Doença
A Maple Syrup Urine Disease (MSUD) é um doença hereditária, causada por uma deficiência de uma enzima associada ao metabolismo de alguns aminoácidos. Os sintomas clássicos aparecem ainda na primeira semana de vida, como perda a capacidade de sucção, apresenta letargia e pode emitir gritos constantes.