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A verdade sobre o desarmamento da população

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Especialista em segurança pública desfaz mitos sobre o uso de armas por parte da população

Em 22 de dezembro de 2003, às vésperas do Natal, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 10.823, uma rigorosa política de controle de armas de fogo conhecida como Estatuto do Desarmamento. O objetivo da medida, segundo o governo petista, era estabelecer penas rigorosas para crimes como o porte ilegal e o contrabando. Dois anos após a instauração dessa lei, em outubro de 2005, o Brasil realizou um referendo para consultar a população sobre a proibição do comércio de armas e munições, e a resposta foi retumbante: a maioria dos eleitores (63,68%) manifestou-se contra a proibição do comércio de armamentos em todo o território nacional. À revelia da vontade popular, o Estatuto do Desarmamento seguiu em vigor — pelo menos até 12 de fevereiro de 2021, data em que o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, alterou quatro decretos federais com o objetivo de desburocratizar e ampliar o acesso a armas de fogo e munições no país.

Para falar sobre um assunto demasiado complexo, que exige prudência e conhecimento de causa, a Revista Oeste convidou Bene Barbosa, um dos mais importantes líderes da luta pelos direitos individuais no Brasil. Bacharel em Direito e especialista em segurança pública, ele atua desde a década de 1990 para garantir às pessoas honestas e cumpridoras da lei a liberdade de possuir armas de fogo. Em 2004, decidiu profissionalizar a luta contra o desarmamento civil e fundou o Movimento Viva Brasil, que se tornou referência nacional. No ano seguinte, foi convidado a integrar a Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa e se tornou um dos mais importantes coordenadores da campanha vitoriosa do “Não”, de 2005.  É autor de mais de uma centena de artigos publicados nos principais jornais e revistas do país, além de coautor do best-seller Mentiram para Mim sobre o Desarmamento e autor de Sobre Armas, Leis e Loucos, ambos publicados pela Vide Editorial. Em entrevista à Revista Oeste, Bene Barbosa esclarece as principais dúvidas acerca do desarmamento no Brasil.

Em Mentiram para Mim sobre o Desarmamento, o senhor afirma o seguinte: “Quanto mais autoritário é um governo, tanto maiores são as restrições ao armamento da população civil”. Que países adotaram como política de Estado o desarmamento dos cidadãos e quais foram as consequências?

Sim, há uma correlação bastante óbvia entre governos autoritários e desarmamento — isso vem sendo demonstrado ao longo da História. O Japão, por exemplo, desarmou sua população no século 16 para que os senhores feudais continuassem tendo poder absoluto sobre terras e feudos. Há, também, o caso da Alemanha nazista, que foi provavelmente o país que melhor conseguiu impor o desarmamento de sua população, com o claro objetivo de oprimir, exterminar certos grupos de pessoas. Sobre esse último caso, recomendo fortemente o livro Hitler e o Desarmamento, do professor Stephen P. Halbrook. Há, ainda, um caso mais recente, que é a Venezuela: a legislação desarmamentista deles é uma cópia do Estatuto do Desarmamento estabelecido no Brasil. Houve, inclusive, uma organização não governamental que trabalhou junto com Hugo Chávez para instalar o desarmamento no país, que é a Viva Rio — isso pode ser verificado no site da própria entidade. Cuba é outro exemplo: durante as batalhas pela revolução socialista, Fidel Castro chamou os camponeses que tinham armas de fogo para ajudarem a derrotar as tropas de Fulgencio Batista. Após a vitória dos comunistas, Castro instaurou uma legislação draconiana sobre a posse e o porte de armas, desarmando o povo cubano e, por conseguinte, conseguindo manter uma ditadura ao longo de décadas. Então, há uma relação direta entre desarmamento e autoritarismo, por uma questão muito óbvia: nenhum tirano quer a população armada, que em determinado momento pode utilizar essas armas contra ele.

Há estudos que comparam o índice de criminalidade em países com mais armas legalizadas nas mãos da populaçãversus países com menos armas?

Se você pesquisar os 25 países mais armados do mundo — e entre eles temos não apenas nações de Primeiro Mundo [tais como a Suíça], mas também países menos desenvolvidos —, vai verificar que nenhum deles figura entre os recordistas de violência. Se, conforme dizem os desarmamentistas, mais armas nas mãos da população significam mais crimes, os países mais armados deveriam ter uma taxa de criminalidade violenta muito maior em relação aos menos armados — e isso não acontece. Os Estados Unidos são um exemplo disso: na década de 1980, a taxa de homicídios do país era semelhante à brasileira, em torno de 10 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Nas décadas seguintes, eles adotaram uma medida menos restritiva para o porte de armas, além de aplicarem punição severa aos criminosos. Enquanto isso, o Brasil fez exatamente o inverso: adotou uma política desarmamentista, com muitas restrições, e aderiu a uma legislação bastante leve no que diz respeito a prender criminosos. Isso resultou na explosão da criminalidade violenta.

No livro Sobre Armas, Leis e Loucos, o senhor diz que o racismo pautou as restrições de armas nos Estados Unidos e no Brasil. Como isso ocorreu?

O desarmamento sempre está vinculado a algum tipo de opressão. Quando houve escravidão, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, isso ficou muito claro. Se você estudar a legislação imposta no Brasil Colônia e, mais tarde, no Brasil Império, verificará que um dos grupos que não podiam ter acesso às armas de fogo eram os negros. Não ocorreu de maneira distinta nos Estados Unidos: a Ku Klux Klan — pouca gente quer falar a respeito disso — nasce com o intuito de retirar as armas das mãos dos negros. Estes tinham acabado de sair da Guerra de Secessão, quando lutaram por direitos civis e liberdades individuais. Após o combate, receberam como parte do pagamento as armas usadas em batalha. Na época, os democratas não aceitavam que os negros libertos tivessem acesso às armas. Por isso, criaram a Ku Klux Klan. Martin Luther King é um exemplo concreto de como o racismo pautou a restrição às armas. Na década de 1950, ele tentou tirar o porte de arma, mas, como havia discricionariedade [ou seja, a autorização precisava ser concedida por um magistrado] para a emissão do porte, ele não conseguiu. Alguns historiadores atribuem a negativa ao fato de que Luther King era negro. Inerme, o republicano foi assassinado, sem nenhuma chance de defesa.

“O Estatuto do Desarmamento não trouxe nenhum benefício para a segurança pública no Brasil”

De acordo com o levantamento do Crime Prevention Research Center, utilizando parâmetros e dados do FBI — a polícia federal norte-americana , cerca de 97% dos tiroteios nos Estados Unidos aconteceram nas chamadas gun-free zones, locais onde é proibido portar armas de fogo — em geral, escolas, cinemas, universidades e hospitais. O que isso significa?

Na maioria dos casos de mass shootings — também chamados de tiroteios em massa —, os criminosos procuram locais onde, de acordo com a legislação, não se pode portar armas: escolas, igrejas, shoppings, cinemas. Isso é um atrativo para o homicida, visto que ele está ali para matar o maior número possível de pessoas, mesmo que, ao final, acabe tirando a própria vida. O criminoso sabe que, se adentrar em um local onda haja mais pessoas armadas, que vão poder enfrentá-lo, a chance de conseguir seu objetivo — o morticínio — não é muito grande. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos demonstram que vários mass shootings foram evitados no país porque algum cidadão ordeiro estava armado e enfrentou os criminosos.

Em 22 de dezembro de 2003, durante o governo Lula, a Lei 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, foi sancionada sob a premissa de que a redução do número de armas registradas em circulação no Brasil implicaria a redução do número total de crimes violentos. Quase duas décadas depois, qual foi o resultado prático dessa medida?

O Estatuto do Desarmamento não trouxe qualquer benefício para a segurança pública no Brasil. Ele não conseguiu, nem de perto, chegar ao objetivo proposto, que era diminuir a incidência de crimes violentos como homicídio e sequestro. O Estatuto do Desarmamento só surtiu efeito [negativo] para os cidadãos que seguem as leis: mais de 90% das lojas de armas de fogo legalizadas foram fechadas, ao passo que a invasão de propriedades aumentou substancialmente, sobretudo porque, aos olhos dos criminosos, as campanhas de desarmamento mostravam uma sociedade sendo desarmada, entregando-se. Isso tem um simbolismo muito forte. A ideia de que o Estatuto do Desarmamento impediu o crescimento da criminalidade não se sustenta a qualquer tipo de análise mais aprofundada, mesmo porque poucos Estados conseguiram controlar os crimes violentos durante a vigência dessa lei draconiana — os que conseguiram foram os que adotaram medidas estaduais e regionais diferentes das aplicadas em nível nacional.

A sociedade civil brasileira é favorável ao armamento da população?

Sim, a população é majoritariamente favorável ao acesso às armas de fogo, em especial à posse de armas — ou seja, um armamento em casa, na propriedade rural ou empresa, de maneira que você tenha alguma chance de defesa contra criminosos. Isso foi demonstrado de modo claro no referendo de 2005, quando quase 64% da população votou contra a proibição da venda legal de armas. Além disso, podemos verificar a eleição em massa de candidatos que se posicionam abertamente favoráveis à posse e ao porte de armas pelo cidadão.

Como funciona a atual legislação brasileira acerca da aquisição de armas de fogo? Quais requisitos devem ser cumpridos pelo sujeito que pede autorização ao Estado para possuir e portar armas?

A legislação brasileira acerca da aquisição de armas de fogo, ao contrário do que afirmam “especialistas” e a grande imprensa, é bastante restritiva. Para comprar uma arma, é necessário ter, no mínimo, 25 anos — o que, convenhamos, não faz sentido algum. Com menos que essa idade, o sujeito pode ser ministro da Defesa e controlar as Forças Armadas do Brasil, mas não pode ter um revólver em casa. Depois, não pode responder a nenhum inquérito ou processo criminal. Além disso, é preciso apresentar todas as certidões negativas das justiças municipal, estadual e federal. É requerido, também, um teste prático de tiro, atividade em que um instrutor credenciado pela Polícia Federal terá de atestar que o indivíduo sabe utilizar, minimamente, uma arma. Há, ainda, os testes psicológicos: o postulante precisa comprovar que tem aptidão mental e emocional para possuir uma arma de fogo. O cidadão terá ainda de pagar todas as taxas provenientes desses processos burocráticos. Por fim, terá de aguardar o deferimento [ou seja, a aprovação] da Polícia Federal. Portanto, é extremamente burocrático adquirir uma arma de fogo no Brasil.

Quais são os maiores vícios da segurança pública brasileira? Que mudanças estruturais deveriam ser feitas para diminuir o índice de criminalidade?

Nosso Código de Processo Penal é bastante leniente com a criminalidade. Hoje, a impunidade continua sendo o grande combustível dos criminosos, em especial os violentos. O bandido sabe que dificilmente será pego; se for preso, ficará pouco tempo na cadeia. Se ficar encarcerado, sabe que terá benesses na prisão, inclusive para poder continuar controlando seus “negócios” escusos. Outro erro gigantesco é fruto do marxismo instalado no meio acadêmico, que tende a culpar a desigualdade social, ou a pobreza, pela criminalidade crescente no Brasil. Isso não é verdade. Há muitos países mais pobres, mais desiguais, com taxa de analfabetismo maior, com taxa de desemprego maior e com criminalidade muito menor que a brasileira. Para comprovar o que estou dizendo, basta analisar atentamente um de nossos vizinhos, o Paraguai, que tem baixo índice de criminalidade, mesmo sendo um país onde o acesso às armas é bastante liberal e facilitado, embora seja uma nação economicamente mais pobre.

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