Editorial – Estadão
O presidente Lula da Silva acha que os recursos públicos direcionados para áreas como saúde, educação e programas sociais não devem ser tratados como gastos, mas como investimentos. Segundo ele, as reações negativas do mercado financeiro a alguns anúncios do governo, como a revisão das metas fiscais de 2025 e 2026, não o incomodam, pois ele quer “mais bem” ao País do que esses investidores que lucram com os juros elevados.
“O problema é que, aqui no Brasil, tudo é tratado como se fosse gasto. Emprestar dinheiro para pobre é gasto, colocar dinheiro na saúde é gasto, colocar dinheiro na educação é gasto, colocar dinheiro em qualquer coisa é gasto. A única coisa que parece investimento é superávit primário”, reclamou. “Com todo respeito ao mercado, eu gosto mais do Brasil do que o mercado. Eu quero mais bem ao futuro desse país do que o mercado.”
Com esse discurso, Lula da Silva tenta terceirizar responsabilidades, como se o mercado financeiro, ao reagir às suas falas, tentasse boicotar o País e impedir o presidente de fazer mais pelos mais necessitados. Há muitos problemas nessa declaração, mas o maior é que ela é absolutamente contraproducente para os objetivos que Lula diz defender.
Se o País tivesse um superávit primário estrutural, ou seja, um equilíbrio entre receitas e despesas, a taxa básica de juros poderia ser bem menor do que é hoje, e esses mesmos investidores que tanto lucram com a remuneração dos títulos do Tesouro teriam de buscar outros ativos mais arriscados para ganhar mais dinheiro – como investimentos em infraestrutura, por exemplo.
Com mais investimentos, a economia cresceria mais, a arrecadação seria maior e o País teria mais condições para elevar despesas com saúde, educação e programas sociais sem pressionar a inflação e a própria taxa básica de juros.
Lula da Silva prega o oposto, ou seja, a manutenção de déficits primários para garantir os gastos que ele considera necessários. Isso obriga o Banco Central (BC) a elevar a taxa básica de juros a um nível alto o suficiente para investidores aceitarem financiar a dívida pública brasileira.
Como o próprio governo é o maior “cliente” do malvado mercado, ele consome a maior parte do volume de recursos disponíveis e reduz a oferta para financiar investimentos privados, o que encarece o crédito. Afinal, a remuneração garantida pelos títulos do Tesouro se torna um piso mínimo para qualquer outro investimento e drena a competitividade desses ativos.
É por isso que o País tem um nível de investimentos pífio, insuficiente até para manter a infraestrutura atual, cresce menos do que poderia, perde arrecadação e tem menos verba disponível para gastos com saúde, educação e programas sociais. É por isso, também, que faltam recursos para reajustar os salários do funcionalismo público. “Nem sempre é tudo que a pessoa pede. Muitas vezes, é aquilo que a gente pode dar”, disse Lula, no mesmo evento.
As reações do mercado às ações do governo Lula não são vingança nem punição, mas puro pragmatismo. Se o devedor anuncia publicamente que pretende gastar mais, mesmo sem ter dinheiro para isso, o credor simplesmente ajusta suas condições para emprestar mais recursos – ou seja, cobra mais alto para refinanciar sua dívida. É por isso que os juros são elevados, não por insensibilidade do Banco Central ou voracidade do mercado financeiro.
Nada disso é novidade para Lula da Silva. Do contrário, ele não teria mantido superávits fiscais vigorosos durante seus dois primeiros mandatos presidenciais. Foram esses superávits que garantiram a redução estrutural da taxa básica de juros, período ao longo do qual o petista criou o Bolsa Família, o Programa Universidade para Todos (ProUni ) e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) 24 horas.
Chamar gastos de investimentos não passa de conversa fiada para enganar incautos. Para o mercado, esse debate é inócuo. Não é isso que fará os juros caírem ou o País crescer. Quem mais perde com isso é a população mais vulnerável, que depende de transferências do governo e de inflação sob controle para sobreviver com dignidade.